sábado, 23 de maio de 2009

Carrie Mae Weems + Harper Lee

Carrie Mae Weems - 'Mirror, Mirror' - 1986


“ ‘(...) What was the evidence of her offence? Tom Robinson, a human being. She must put Tom Robinson away from her. Tom Robinson was her daily reminder of what she did. What did she do? She tempted a Negro.
‘She was white, and she tempted a Negro. She did something that in our society is unspeakable: She kissed a black man. Not an old uncle, but a strong young Negro man. No code mattered to her before she broke it, but it came crashing down on her afterwards.
‘Her father saw it, and the defendant has testified as to his remarks. What did her father do? We don’t know, but there is circumstancial evidence to indicate that Mayella was beaten savagely. (...) We do know in part what Mr. Ewell did: he did what any God-fearing, persevering, respectable white man would do under the circumstances – he swore out a warrant. (...)
‘And so a quiet, respectable, humble Negro who had the unmitigated temerity to “feel sorry” for a white woman has had to put his word against two white people’s. (...) The witnesses for the state (...) have presented themselves to you gentlemen in the cynical confidence that their testimony would not be doubted, confident that you gentlemen would go along with them on the assumption that all Negroes lie, that all Negroes are basically immoral beings, that all Negro men are not to be trusted around our women, an assumption one associates with minds of their calibre”

Excerto das alegações finais de Atticus Finch enquanto advogado de defesa de Tom Robinson. Retirado do livro To Kill A Mockingbird de Harper Lee, capítulo 20, p.225.


Carrie Mae Weems nasceu em Portland, Oregon em 1953. As suas primeiras fotografias foram tiradas em contextos políticos, visto que estava bastante envolvida na luta dos trabalhadores pela igualdade de direitos. Só começou a tirar fotografias de cariz artístico quando teve acesso ao livro The Black Photography Annual, um livro de imagens captadas por fotógrafos afro-americanos. Isto levou-a a mudar-se para Nova Iorque e ao Studio Museum no Harlem, onde conheceu um sem número de artistas e fotógrafos, tais como Frank Stewart e Coreen Simpson.
As suas fotografias, filmes e vídeos, que já foram exibidos mais de 50 vezes nos Estados Unidos e pelo resto do mundo, focam-se, maioritariamente, em questões como o racismo, as relações entre géneros, política e a sua própria identidade.

“Let me say that my primary concern in art, as in politics, is with the status and place of Afro-Americans in our country.” Carrie Mae Weems


To Kill A Mockingbird (Não Matem A Cotovia) foi escrito por Harper Lee em 1960.
O livro apresenta um retrato humano de uma pequena comunidade sulista norte-americana, Maycomb, nos anos 30, altura da grande depressão. Através dos olhos sinceros de uma criança, Scout Finch, observamos o por vezes lento, por vezes explosivo, despertar de um ódio racial colectivo quando um jovem negro é acusado de violar e espancar uma rapariga branca.Atticus Finch, advogado do ministério público, homem de valores morais acima de qualquer suspeita, é apontado para a defesa do réu. A partir desse momento todas as suas acções pessoais e profissionais serão colocadas em causa perante uma comunidade preconceituosa.


Algo que salta logo à vista após a leitura do texto e a visualização da fotografia é a questão da forma como se percepciona aquilo que não se conhece e como muitas vezes tomamos a parte pelo todo. No texto, é referido que aqueles que acusam Tom Robinson, acreditam que todos os negros são iguais, todos mentem, todos são imorais. Já no quadro olhamos para aquela mulher e não sabemos nada sobre ela, mas à partida é uma mulher como qualquer outra, que se vê ao espelho e a quem as opiniões externas interessam, mesmo que sejam negativas. O seu ‘reflexo’ é de uma grande ambiguidade, não conseguimos perceber ao certo se é um homem ou uma mulher. No entanto, faz-nos pensar em todas as imposições que nos são colocadas pela sociedade e que são consideradas ‘normais’.
A legenda da fotografia foi baseada numa piada que os indivíduos ‘brancos’ costumavam contar sobre os negros. É curioso pensar no porquê de se usar uma história infantil de forma tão violenta, suponho que se deve principalmente ao facto de estas histórias serem uma parte importante do crescimento e processo de socialização das crianças. Que melhor forma de enraizar na mente das crianças o acto de desprezar alguém do que usar algo que lhes é tão familiar? É interessante ainda a mudança que Weems fez ao texto da história da Branca de Neve. No original a frase é a seguinte: “Mirror, Mirror on the wall who’s the fairest of them all?” e na fotografia a palavra “fairest” aparece trocada por “finest”. A palavra “fair” aparece no dicionário como “louro; bom; razoável; justo”, das quatro palavras nenhuma se coadunava com a imagem, nem em termos do aspecto físico da mulher, nem em termos da forma como os indivíduos negros eram percepcionados pela sociedade. No entanto, “fine” aparece como “fino; belo; lindo”, ou seja, os negros podiam ser bonitos, mas bons e virtuosos nunca seriam. Tanto na fotografia como no texto estamos perante uma recriação de algo, seja uma história ou um acontecimento.
É de referir, ainda, a disposição da fotografia. À mulher é retirada quase toda a sua sexualidade. Apesar de percebermos que é uma mulher, a sua posição e a forma como a fotografia foi tirada ‘escondem’ todas as suas formas mais femininas, quase como se ela fosse a representação de toda uma raça.
Tanto no texto como na fotografia, ainda que nesta última isso seja mais visível, somos quase colocados como voyeurs. Em ambos lemos/vemos aquilo que se passa num ambiente ao qual não pertencemos. A fotografia representa um momento de intimidade e nós estamos a assistir a ele.
Bibliografia:

Mariana Cordeiro 35165

2 comentários:

  1. Mariana, querida, achei muito interessante o teu diálogo intertextual, apesar de te teres referido mais à imagem que ao texto.
    O excerto que escolheste fez-me lembrar a peça que fomos ver "Chuva Pasmada" e o choque da simples ideia de uma mulher branca ter beijado o homem negro. Apesar de actualmente não ser tão chocante ver um casal "misto" no meio da rua, para os mais conservadores ainda é considerado uma ofensa.
    A imagem foi muito bem escolhida. A ideia de que uma "Black Pearl" nunca chegaria aos calcanhares de uma "snow white" foi, até à bem pouco tempo, muito real. A segregação Americana fazia uma cruel distinção por cores dando primazia aos "brancos"... O "branco" era o bom, o moral, o superior... o "negro" era a escumalha, aquele que contaminava tudo aquilo em que tocava.

    Nicole Cotter, 35169

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  2. Olá Mariana! =)

    Acho o teu trabalho bastante interessante.
    Só não concordo quando dizes que o reflexo da mulher é ambiguo porque dá para perceber que é uma mulher que está do outro lado, não só pela face como também pela mão.

    Um aspecto neste quadro que acho curioso é o facto de se perceber que o espelho na verdade não é um espelho, mas sim uma moldura com o vidro embaciado, a artista podia ter escondido esse facto, não mostrando a continuação do braço da mulher que está por detrás, mas não o fez, porque será? Será que é para acentuar ainda mais a separação que as pessoas fazem entre estas duas raças tão próximas?


    Inês Carvalho, nº 37101

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