sexta-feira, 10 de abril de 2009

A fotografia de Jacob Riis e as palavras de Jack London

Tópico 5: Travessias transatlânticas da Europa para os Estados Unidos

In a sweat shop, 1901


“As crianças do gueto possuem possuem tudo o que é necessário para se formarem como homens e mulheres de carácter, mas o gueto, como um tigre enlouquecido, encarniça-se contra essa mocidade, esmaga-a e destrói todas as suas qualidades, extingue nela toda a luz e toda a alegria e acaba por transformar aqueles que não chega a despedaçar em criaturas estúpidas, sem futuro, grosseiras e vis, muito aparentadas com as bestas.” (p. 195)

«Um provérbio chinês diz que, para alguém viver ocioso, é necessário que outro alguém morra de fome; e Montesquieu afirmou: “O facto de vários homens se ocuparem a fazer roupas para um só homem é a razão de existirem muitos homens sem nada para vestir.” Uma coisa explica a outra. Não se pode compreender a existência do trabalhador esfomeado e esquálido do East End (…) até se ter a ocasião de observar a garbosa Guarda Real do West End, e perceber que os primeiros são quem tem de alimentar, vestir e manter os segundos.» - sobre o dia da coroação do rei Eduardo VII, a 9 de Agosto de 1901 (p. 104)

“Coitados dos inaptos e inúteis! Os miseráveis, os desprezados e os esquecidos são vítimas da degradação social, são os frutos da prostituição – prostituição de homens, mulheres e crianças, da carne, do sangue, da inteligência e dos espíritos; em suma, a prostituição do trabalho. Se é isto que a civilização em para oferecer ao homem, então mil vezes o estado selvagem, a nudez e os uivos, mil vezes viver no deserto e na brenha, no covil e na caverna, em de trucidado pela máquina e pelo Abismo!” (p. 204)


Introdução:
Apesar da aparente dualidade que preside entre os dois autores, ambos são encaminhados para a mesma direcção: o retrato social. São dois homens diferentes, que viveram em época diferentes e que trabalharam em espaços, também, diferentes. A técnica, por sua vez, também muda: Jacob Riis utiliza o olho da câmara para eternizar a realidade dos imigrantes que (sobre)vivem nos Estados Unidos; Jack London, por seu lado, opta por apelar ao imaginário construtivo do leitor através dos seus relatos escritos. Saltamos dos Estados Unidos para o bairro de East End, em Londres, mas o panorama que nos é, mais ou menos, transmitido, continua a ser o mesmo: a degradação do “homem imigrante”.Individualmente ou postas em jogo umas com as outras, as fotografias de Jacob Riis permitem-nos construir uma narrativa mas quando o texto visual entra em “comunicação” com o texto escrito, apercebemo-nos que há uma complementação, uma convergência de ideias que se traduz no conceito de “abismo”. É este Abismo que irei procurar dar a conhecer; um Abismo que não é apenas um bairro de lata, nem um local de trabalho, mas uma condição, uma fatalidade, eu diria, a que todos os imigrantes aqui retratados estavam destinados.

Irei, portanto, apresentar em aula 3 fotografias de Jacob Riis e mais alguns excertos do livro do Jack London com o fim apresentar a leitura que fiz sobre a ideia de Abismo presente, de forma mais ou menos directa, no trabalhos dos dois artistas.

Jacob Riis nasceu no ano de 1849, na Dinamarca. Tendo emigrado para os Estados Unidos em 1870, trabalhou na South Brooklyn News, no New York Tribune no New York Evening Sun. Consciente do que era viver na pobreza (Jacob Riis chegou a trabalhar como carpinteiro em Copenhaga a dormir em casas de alojamento de esquadras da polícia nos E.U.A.), Riis aproveita as suas aptidões jornalísticas para dar a conhecer publicamente os problemas das classes mais baixas. Riis e outros reformistas - muitas vezes chamados de “muckrackers” - estavam dispostos a lutar por uma reforma social pois acreditavam que a pobreza era passível de ser reduzida através de uma regulação governamental da economia, ideia que trouxe longos efeitos nas políticas dos Estados Unidos até aos dias de hoje. Jacob Riis destacou-se, também, pela utilização do “flash powder”, técnica que lhe possibilitou fotografar tanto o interior como o exterior dos bairros de lata durante a noite. Depois de 25 anos a dedicar o seu trabalho aos mais pobres, Jacob Riis acaba por morrer em Barrie, Massachusetts, no dia 26 de Maio de 1914.
Jack London, nascido a 12 de Janeiro de 1976, em Oakland, teve uma infância difícil: abandonou a escola aos 14 anos para trabalhar numa fábrica de enlatados, foi distribuidor de jornais, varredor e, depois de trabalhar numa tecelagem e numa central hidroeléctrica, decide viajar pelos Estados Unidos de comboio. Em 1894, quando visitava as cataratas do Niágara, é preso por vagabundagem e é enviado para a Penitenciária de Erie County, em Buffalo, onde viveu durante um mês. Opositor do capitalismo e influenciado por ideias socialistas, Jack London escreveu romances que manifestavam quase sempre o conflito entre o acentuado individualismo do autor e os seus anseios por reformas sociais; exemplo disso foi o seu livro chamado O Povo do Abismo, publicado em 1903. Operário, captador de ostras clandestino, revolucionário marxista, dono de uma mal-sucedida fábrica de sumos, correspondente de guerra, marinheiro, London carregava consigo a imagem de um homem de acção. Porém, este homem multi-facetado acaba por se suicidar com morfina aos 40 anos, na sua fazenda de Glenn Ellen, na Califórnia, a 22 de Novembro de 1916.

Bibliografia

  • ALLAND, Alexander, Jacob A. Riis: photographer and citizen, Nova Iorque, Aperture; 1003
  • LONDON, Jack, O Povo do Abismo, Antígona, Lisboa; 2ª ed, 2002
  • YOCHELSON, Bonnie, Rediscovering Jacob Riis: exposure journalism and photography in turn-of-the-century New York, Londres, The New Press; 2007


Sitografia

Sara Santana, 35175
Estudos Artísticos - Artes do Espectáculo

5 comentários:

  1. Estes textos de Jack London serâo, sem dúvida, incómodos para muita gente. A ideologia dominante (veja-se os nossos queridos governantes por exemplo)não se cansa de falar na morte do Marxismo, na mudança das relações de produção, blá, blá, blá. Mantém-se todavia um facto que a distribuíção da riqueza é muito desigual, com as consequentes injustiças e misérias para grande parte das classes trabalhadoras. A presente depressão económica só torna tudo isto ainda mais visível. Em finais do Século XIX, como hoje, encontramos exploradores e explorados, situação a que o capitalismo não parece ter condições de responder. É esta consciência social que transparece dos textos do Socialista London, ele próprio uma figura fascinante, com uma vida de muitas aventuras entre os mais desfavorecidos do Sonho Americano. Com Jacob Riis também encontramos uma vontade de expôr as injustiças sociais, no entanto as suas motivações seriam decerto diferentes, como também o eram as suas convicções ideológicas. Os chamados Progressivistas, entre os quais o Presidente Theodore Roosevelt, eram reformadores "do regime", com um cunho marcadamente racista e xenófobo, contra todos os imigrantes não nórdicos ou anglo-saxónicos. Eram também extremamente conservadores em tudo o mais, incluindo o direito de voto para as mulheres. Jacob Riis era aliás um grande amigo de Theodore Roosevelt. Não obstante as possíveis diferenças nas motivações, o resultado acaba por ser semelhante: a denúncia de injustiças sociais. E é por isto que não entendo bem a escolha desta fotografia, já que nela os sujeitos, em particular a criança, surgem sorridentes. Isto convida a leituras mais positivas e de alguma esperança. Mesmo no meio da maior miséria, a trabalhar duramente, seria ainda possível sentir a alegria própria da infância e esperança no futuro ?

    Eurico Matias, nº36402

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  2. Olá, Eurico! Desde já, agradeço o teu comentário. Sobre a tua dúvida... penso que a dimensão da fotografia não a favorece mas o facto é que a criança não sorri, tal como podes reparar melhor nesta reprodução: http://pro.corbis.com/images/BE072639.jpg?size=67&uid=%7B4A0270CA-4A8D-49C2-A467-78272A3F8F93%7D. Quando olho para a fotografia, salta-me logo aos olhos um contraste entre os homens que estão em pé e sorriem e o rapaz sentado, que olha para a câmara e que, mesmo assim, não pára de trabalhar. Não nos devemos esquecer que os elementos da foto estão ali e sabem que uma máquina fotográfica está apontada para eles, o que pode significar que os sorrisos que esboçam podem ser apenas o resultado de uma pose e não de uma sensação de felicidade ou de esperança. É o "momento" deles.
    Gostaria de comentar o que disseste sobre o Presidente Theodore Roosevelt mas a verdade é que não conheço tão bem a História dos Estados Unidos como tu. Sabia que Jacob Riis era amigo do Roosevelt e é estranho o primeiro pôr o seu trabalho ao serviço dos imigrantes e o segundo, como tu afirmas, ter um "cunho marcadamente racista e xenófobo".
    Independentemente das motivações mais intrínsecas de cada um, penso que tanto Riis como London trabalhavam numa luta pela igualdade e os trabalhos de ambos serviram, assim, como estímulos de agitação dentro da sociedade; e isso é, no meu ver, o mais importante (:

    Sara Santana, 35175

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  3. Olá Sara! Eram mesmo assim. Roosevelt chama mesmo aos imigrantes do Sul da Europa "mongrelized", (eram assim como uma espécie de cães vadios) alertando para o perigo de misturar o sangue "Americano" com o deles. Também tinhas "cientistas" que reconheciam criminosos pelos calombos na cabeça, por isso já vês o ambiente...
    Mas é um facto que as fotografias são fantásticas.
    Eurico

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  4. O mais interessante é que as fotografias, apesar de retratarem uma realidade que nos é relativamente distante, se mantêm actuais. A verdade é que existem "mundos paralelos" àquele em que vivemos, mundos que nem sonhamos e que nos passam, muitas vezes, ao lado por não haver gente suficientemente heróica para nos mostrar.
    Sara Santana

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  5. Olá Sara,
    Bem começo por elogiar a escolha dos excertos. É incrível como um relato de à um, dois séculos atrás se consegue manter tão actual nos nossos dias.
    Acho que percebo aquilo que pretendes dizer com o abismo que, tanto excertos como imagem, conseguem transmitir. A desigualdade extrema sempre existiu e infelizmente sempre existirá no nosso planeta, sem distinção entre raças e países. E contudo, parece que existe uma espécie de venda global que não permite aos mais abastados de perceberem que toda a sua riqueza poderia por exemplo salvar um país.
    É certo que existem "pequenos" heróis, celebridades que tentam ajudar o próximo, mas heróis sempre existiram... apenas menos "televisivos" que actualmente.
    Bem, estou-me a dispersar.
    Em relação à imagem, aquilo que consideramos hoje em dia exploração infantil, era visto na altura como mão de obra barata para o empregador, “mais” dinheiro em casa (às vezes mesmo o único dinheiro) para a família. Os homens param para a fotografia... a criança continua a trabalhar. É muita responsabilidade nos seus "pequenos" ombros. O empregador enriquece graças à mão de obra barata, a criança sobrevive como pode. Como diz uma popular música brasileira: “(...) o rico cada vez fica mais rico, e o pobre cada vez fica mais pobre...”

    Nicole Cotter (35169), Artes do Espectáculo

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