domingo, 19 de abril de 2009

Edward Hopper e Álvaro de Campos

"Dawn in Pennsylvania"
1942
Óleo sobre tela


"Ode Triunfal" de Álvaro de Campos


A dolorosa luz das grandes lâmpadas eléctricas da fábrica
Tenho febre e escrevo.
Escrevo rangendo os dentes, fera para a beleza disto,
Para a beleza disto totalmente desconhecida dos antigos.
Ó rodas, ó engrenagens, r-r-r-r-r-r eterno!
Forte espasmo retido dos maquinismos em fúria!
Em fúria fora e dentro de mim, Por todos os meus nervos dissecados fora,
Por todas as papilas fora de tudo com que eu sinto!
Tenho os lábios secos, ó grandes ruídos modernos,
De vos ouvir demasiadamente de perto,
E arde-me a cabeça de vos querer cantar com um excesso
De expressão de todas as minhas sensações,
Com um excesso contemporâneo de vós, ó maquinas!
Em febre e olhando os motores como a uma Natureza tropical –
Grandes trópicos humanos de ferro e fogo e força –
Canto, e canto o presente, e também o passado e o futuro,
Porque o presente é todo o passado e todo o futuro
(1-18)
(…)

Ah, poder exprimir-me todo como um motor se exprime!
Ser completo como uma máquina!
Poder ir na vida triunfante como um automóvel último-modelo!
Poder ao menos penetrar-me fisicamente de tudo isto,
Rasgar-me todo, abrir-me completamente, tornar-me passento
A todos os perfumes de óleos e calores e carvões
Desta flora estupenda, negra, artificial e insaciável!
(26-32)
(…)

Nova Revelação metálica e dinâmica de Deus!
(112)
(...)


Álvaro de Campos, heterónimo de Fernando Pessoa, era um cantor do mundo moderno que procura incessantemente “sentir tudo de todas as maneiras”. Campos celebra a civilização industrial e mecânica, adoptando sempre o ponto de vista de um citadino.

Edward Hopper foi um pintor realista norte-americano cujo trabalho é considerado uma espécie de crónica das mudanças ocorridas na sociedade nesta época. Retrata a solidão nos espaços urbanos e sentimento de brevidade presente em alguns locais públicos e semi-públicos.

Campos e Hopper apresentam-nos duas perspectivas completamente diferentes do progresso e da civilização. Em Campos encontramos um engenheiro naval que canta a modernidade e se alheia a tudo o que com ela não se relacione; em Hopper temos a desolação dos espaços urbanos e a modernidade sempre associada à solidão.

“Dawn in Pennsylvania” reflecte um espaço público completamente deserto e, talvez, demasiado limpo e arrumado sugerindo que nada acontece naquela estação. Na “Ode Triunfal” de Álvaro de Campos assistimos a um elogio à civilização e à técnica (v.5) feito por alguém num estado febril (v.2) que nos dá sinais de alucinação face ao espanto com a novidade que tanto ama (v.26 e 27).

Estamos, pois, perante duas visões antitéticas da Modernidade e do avanço tecnológico.
Bibliografia e Siteografia:
STRAND, Mark, “Hopper”, The Ecco Press: New Jersey, 1994
http://pt.wikipedia.org/wiki/Fernando_Pessoa (5.Abril.2009)
http://pt.wkipedia.org/wiki/Edward_Hopper (5.Abril.2009)
http://newworldencyclopedia.org/entry/Edward _Hopper (5.Abril.2009)
http://www.artchive.com/artchive/H/hopper.html (5.Abril.2009)
http://home.dbio.uevora.pt/~oliveira/Artes/OdeTriunfal.htm (5.Abril.2009)
Nádia Canceiro nº36265 - Estudos Norte-Americanos

2 comentários:

  1. Pessoalmente sou uma grande admiradora dos trabalhos de Hopper. Penso que ele como ninguém consegue transmitir-nos o que vai dentro da alma de uma pessoa. Mas por outro lado também podemos dizer que não sabemos quem é a pessoa que estamos a observar pois Hopper dá-nos várias hipóteses de interpretação. A luz é o principal "objecto" de comunicação entre nós e Hopper e ele usa-o como nenhum outro artista realista o fez. No quadro Dawn in Pennsylvania temos por um lado a solidão , o silêncio e o vazio da paisagem e pelo outro lado temos o progresso e as máquinas que são pontos opostos mas que no quadro apresentado se unem: a luz, a solidão, as máquinas e o progresso. Talvez essa solidão signifique uma certa incerteza em relação ao futuro industrializado que e a própria evolução do Homem. Adorei o uso que deste ao poema de Alvaro de Campos, foi sem dúvida bem escolhido.

    Liliana Matias nº 36261

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  2. Hopper prestava particular atenção ao design geométrico e ao posicionamento equilibrado das figuras humanas com o ambiente.

    Usa a luz e as sombras como método central para criar um ambiente nas suas pinturas. Esta técnica e jogo entre luz e sombra, foram comparados, muitas vezes, com filmes "noir".

    Os temas preferidos de Hopper, na pintura, são a vida comum de um americano e o que o rodeia, assim como as paisagens rurais e marítimas.

    A arquitectura urbana e as cidades foram dos temas principais nas pinturas de Hopper. Hopper estava fascinado com as cenas urbanas americanas - “our native architecture with its hideous beauty, its fantastic roofs, pseudo-gothic, French Mansard, Colonial, mongrel or what not, with eye-searing color or delicate harmonies of faded paint, shouldering one another along interminable streets that taper off into swamps or dump heaps.”
    A maior parte das figuras nas pinturas, estão focadas na interacção humana com o que os rodeia - quer seja em grupos, só ou em pares. Os seus temas principais são a emoção, a solidão, arrependimentos,aborrecimento e resignação, demonstrando estes sentimentos em variados ambientes, incluindo no escritório, em público, em apartamentos, na estrada ou até mesmo em férias.

    Se a pinturas de Hopper se tratassem de filmes ou cenas de teatro, a posição das "personagens" seria de tal modo combinado que pareceriam capturadas no momento antes ou depois do climax da cena.

    Acho que a pintura foi bem escolhida, assim como o poema. A paixão de Campos pela industria está presente na pintura. Ao ler o poema e ao olhar para a pintura, deu-me mesmo a sensação de ouvir o barulho, como se lá estivesse. Como referi anteriormente, os quadros de Hopper já jogam com os nossos sentidos, mas com o suporte do poema, parece que há um apurar desses sentidos. Como disse a Liliana Matias, foi bem escolhido.

    Sílvia Cachaço nº 37287

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