Haircut
(1985), Eric Fischl, Oil on Linen (264.16 x 213.36 cm)
Fonte
Fonte
"A
Perfeição"
O
que me tranquiliza
é que tudo o que existe,
existe com uma precisão absoluta.
O que for do tamanho de uma cabeça de alfinete
não transborda nem uma fração de milímetro
além do tamanho de uma cabeça de alfinete.
Tudo o que existe é de uma grande exatidão.
Pena é que a maior parte do que existe
com essa exatidão
nos é tecnicamente invisível.
O bom é que a verdade chega a nós
como um sentido secreto das coisas.
Nós terminamos adivinhando, confusos,
a perfeição.
Clarice Lispector
é que tudo o que existe,
existe com uma precisão absoluta.
O que for do tamanho de uma cabeça de alfinete
não transborda nem uma fração de milímetro
além do tamanho de uma cabeça de alfinete.
Tudo o que existe é de uma grande exatidão.
Pena é que a maior parte do que existe
com essa exatidão
nos é tecnicamente invisível.
O bom é que a verdade chega a nós
como um sentido secreto das coisas.
Nós terminamos adivinhando, confusos,
a perfeição.
Clarice Lispector
Eric Fischl (1948-)
Eric
Fischl é um pintor e escultor neo-expressionista que nasceu em 1948, em Long
Island, nos subúrbios de Nova Iorque. As temáticas mais recorrentes na sua obras
estão ligadas à realidade social e económica onde este cresceu, explorando a
obsessão da classe média pela imagem e pela sexualidade, presente através da
exploração da nudez e do voyeurismo, na obra em análise. Fischl faz
parte da transição da modernidade para a pós-modernidade, sendo isto
constatável no tamanho dos seus quadros, que são megalómanos, na intensidade
das cores e nas temáticas que aborda.
Clarice Lispector (1920-1977)
Clarice
Lispector nasceu em 1920 na Ucrânia. Mudou-se para o Brasil ainda em criança,
e aí acabaria por falecer em 1977. Foi considerada uma das escritoras
brasileiras mais importantes do século XX, devido à sua escrita peculiar,
simbólica e inovadora. Segundo Jorge Carrión, escritor e crítico literário espanhol,
a obra de Lispector é “corporal, totalmente vital e sanguínea”, embora esteja
coalhada de metáforas e mistério.
Decidimos
relacionar estas duas obras porque ambas problematizam a ideia de perfeição.
Em Haircut vemos uma mulher nua, agachada e com uma tesoura na mão,
prestes a depilar os pelos púbicos, na casa de banho. Esta figura encontra-se
numa grelha de feixes de luz projetados pela persiana, “presa” no limiar entre o
público e o privado. De facto, o confronto entre as curvas da mulher e a
geometria plana dos feixes de luz retos acentua esta fronteira e sugere que as
convenções sociais de beleza são grelhas que moldam o corpo individual.
Para o sujeito
poético de “A Perfeição” não há respostas nem certezas, como atestas os seguintes versos: “Nós
terminamos adivinhando, confusos, / a perfeição”. No entanto, o ser
humano tenta alcançar a perfeição; tenta defini-la e recriá-la em si mesmo, tal
como a mulher representada na pintura, que recorre à depilação para transformar
fisicamente o seu corpo. Será em torno da temática da perfeição idealizada que
iremos analisar e estabelecer um diálogo entre as duas obras.
Web
Links e Referências
A saber
Pode considerar-se que a utilização da grelha na obra alude à estratégia usada por pioneiros da fotografia como Étienne-Jules Marey, nas suas composições com corpos humanos em movimento.
Luís Marques
Rute Ventura
(Versão editada)
ResponderEliminarObrigada, antes de mais, pela introdução à obra de Lispector. Não pude deixar de mencionar, ao ler o vosso post, (e fazendo de seguida uma breve pesquisa sobre ambos os artistas) parte de uma citação de Fischl (cujo contexto lamento não ter conseguido encontrar):
"I don't think my work is so much about opening up wounds. I think it's about understanding the nature of the wound." (http://www.azquotes.com/quote/743232)
Em toda a justiça, esta citação aparenta falar da relação que o próprio artista tem com o acto creativo. Se, no entanto, tomarmos em conta o caráter frequentemente exorcisante das obras de Fischl - proposta de interpretação levantada por Serge Kappler, entre outros (http://www.arttheory.us/FISCHL.pdf) - parece ser extrapolável para o observador. Assim sendo, e voltando olhos para "Haircut" e "A Perfeição", não poderá ser a natureza da obsessão com uma ideia de perfeição corpórea (que Fischl procura revelar, através da figura retratada, às classes médias Estadunidenses) analogizável com a essência/natureza de que o poema nos é sugestiva?
- Lily Kingston Chadwick, nº145710
Fischl comenta a interiorização feminina do imperativo de (re)criar constantemente um corpo perfeito, segundo padrões muitas vezes pouco respeitadores do equilíbrio (vejam-se os espartilhos do séc. XIX que impediam as mulheres de respirar corretamente ou a moda do 'heroin chique' na década de 1990). Para mais, a presença da tesoura alude à 'vagina dentata' de Freud, que conceptualiza o feminino como potencialmente castrador.
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