segunda-feira, 30 de abril de 2018

Eric Fischl e Clarice Lispector

Haircut (1985), Eric Fischl, Oil on Linen (264.16 x 213.36 cm)
Fonte
"A Perfeição"
O que me tranquiliza
é que tudo o que existe,
existe com uma
precisão absoluta.
O que for do tamanho de uma cabeça de alfinete
não transborda nem uma fração de milímetro
além do tamanho de uma cabeça de alfinete.
Tudo o que existe é de uma grande exatidão.
Pena é que a maior parte do que existe
com essa exatidão
nos é tecnicamente invisível.
O bom é que a verdade chega a nós
como um sentido secreto das coisas.
Nós terminamos
adivinhando, confusos,
a perfeição. 


Clarice Lispector
 

Eric Fischl (1948-)

            Eric Fischl é um pintor e escultor neo-expressionista que nasceu em 1948, em Long Island, nos subúrbios de Nova Iorque. As temáticas mais recorrentes na sua obras estão ligadas à realidade social e económica onde este cresceu, explorando a obsessão da classe média pela imagem e pela sexualidade, presente através da exploração da nudez e do voyeurismo, na obra em análise. Fischl faz parte da transição da modernidade para a pós-modernidade, sendo isto constatável no tamanho dos seus quadros, que são megalómanos, na intensidade das cores e nas temáticas que aborda.

Clarice Lispector (1920-1977)
            Clarice Lispector nasceu em 1920 na Ucrânia. Mudou-se para o Brasil ainda em criança, e aí acabaria por falecer em 1977. Foi considerada uma das escritoras brasileiras mais importantes do século XX, devido à sua escrita peculiar, simbólica e inovadora. Segundo Jorge Carrión, escritor e crítico literário espanhol, a obra de Lispector é “corporal, totalmente vital e sanguínea”, embora esteja coalhada de metáforas e mistério.

 Relação entre a Pintura e o Poema
            Decidimos relacionar estas duas obras porque ambas problematizam a ideia de perfeição. Em Haircut vemos uma mulher nua, agachada e com uma tesoura na mão, prestes a depilar os pelos púbicos, na casa de banho. Esta figura encontra-se numa grelha de feixes de luz projetados pela persiana, “presa” no limiar entre o público e o privado. De facto, o confronto entre as curvas da mulher e a geometria plana dos feixes de luz retos acentua esta fronteira e sugere que as convenções sociais de beleza são grelhas que moldam o corpo individual.

            Para o sujeito poético de “A Perfeição” não há respostas nem certezas, como atestas os seguintes versos: “Nós terminamos adivinhando, confusos, / a perfeição”. No entanto, o ser humano tenta alcançar a perfeição; tenta defini-la e recriá-la em si mesmo, tal como a mulher representada na pintura, que recorre à depilação para transformar fisicamente o seu corpo. Será em torno da temática da perfeição idealizada que iremos analisar e estabelecer um diálogo entre as duas obras.

Web Links e Referências

A saber
Pode considerar-se que a utilização da grelha na obra alude à estratégia usada por pioneiros da fotografia como Étienne-Jules Marey, nas suas composições com corpos humanos em movimento.

Alberta Nunes
Luís Marques
Rute Ventura