domingo, 9 de maio de 2010

Pollock e Victor Hugo


Jackson Pollock, Blue Poles (or Number 11), 1952: 210x487 cm;
tintas diversas, esmalte, vidro sobre tela; National Gallery of Australia, Canberra




Biografia de Jackson Pollock

Nasceu em Cody, Wyoming, em 1912, um de cinco irmãos, mas cresceu e viveu no Arizona e California. A família via-se obrigada a frequentes mudanças no Ocidente dos EUA devido às diversas carreiras exercidas pelo pai.
Estudou na Manual Arts High School em Los Angeles e em 1930 seguiu o seu irmão para Nova Iorque e inscreveu-se na Liga do Estudante de Arte. Aqui, sentiu-se atraído por Kandinsky e Picasso. Também se inspirou nas pinturas murais dos artistas mexicanos Orozco e Siqueiros. O mestre que influenciou o pintor na Liga foi Thomas Hart Benton, e foi também ele que lhe deu a conhecer alguns gigantes da pintura Europeia. Os anos de depressão económica foram muito duros e ele sucumbiu ao alcoolismo, a tal ponto que, apesar do tratamento psicanalítico nunca mais se libertou dele. A sua famosa técnica de tinta aplicada em jactos iniciou-se em 1947, após ter-se mudado com a sua mulher (também pintora) para East Hampton, Long Island, tornando-se pioneiro do Expressionismo Abstracto. Em 1956, profundamente deprimido, separado da mulher e dependente do álcool, foi vítima de um acidente de viação.



Texto

"Na verdade, se nos fosse dado penetrar com os olhos da carne na consciência dos outros, julgaríamos com mais segurança um homem pelo que ele devaneia do que pelo que ele pensa. Há vontade no pensamento, no devaneio não. O devaneio, que é absolutamente espontâneo, toma e conserva, mesmo no gigantesco e ideal, a figura do nosso espírito. Não há coisa que mais directa e profundamente saia do fundo da nossa alma do que as nossas aspirações irreflectidas e desmesuradas para os esplendores do destino. Nestas aspirações, mais do que nas ideias compostas, racionadas e coordenadas é que se pode descobrir o verdadeiro carácter de cada homem. As nossas quimeras são o que melhor nos parece. Cada qual devaneia o incógnito e o impossível segundo a sua Natureza."

Victor Hugo, Les Misérables, (1862)


Biografia Victor Hugo

Victor Hugo, escritor e político francês, nasceu em Besançon, França no ano de 1802 mas passou a sua infância em Paris. O seu pai era oficial no exército de Napoleão e talvez por isso o escritor tenha desenvolvido uma intensa actividade política. Depois da separação dos pais, este é criado junto da mãe. As suas estadias em Nápoles e Espanha acabam por influenciar a sua obra e em 1819 funda com os seus irmãos a revista Conservador Literário. O seu primeiro livro, Odes e Poesias Diversas, é publicado em 1822 e por este recebe uma pensão de Luís XVIII, como prémio. Tem, até uma idade avançada, diversas amantes, sendo a mais famosa Juliette Drouet, actriz sem talento que lhe dedica a sua vida, e a quem ele escreve numerosos poemas. A partir de 1849, Victor Hugo dedica a sua obra à política, à religião e à filosofia humana e social. Apesar da sua mãe lhe incutir o espírito monárquico, Victor Hugo opta pela democracia liberal e em 1848 é eleito deputado da Segunda República, no entanto, exila-se após o golpe de Estado de 2 de Dezembro de 1851 que condena por razões morais. Durante a Comuna de Paris em 1871, Victor Hugo viveu em Bruxelas de onde foi expulso por abrigar soldados derrotados. Depois de refugiado em Luxemburgo regressou a Paris em 1876 onde mantinha um caso com a criada Blanche Lavin. Denunciando até ao fim a segregação social, o escritor é vítima de um enfarte em 1878 acabando por falecer em 1885. O seu funeral foi acompanhado por cerca de 2 milhões de pessoas, acabando o seu cadáver por ser transportado até ao Parthénon.


Relação pintura/texto


Victor Hugo propõe-nos uma leitura da obra de Pollock. Espontâneo, irreflectido, inconsciente serão as palavras de ordem para a análise desta obra. Pollock é inovador ao tornar a tela numa extensão do seu corpo, onde através de uma coreografia coordenada nos dá a conhecer o seu verdadeiro interior. O seu consciente é como uma mancha, como se tivesse sido dinamitada e dela só restassem rastos/restos/resíduos que se contrapõem aos seus irreflectidos devaneios. Não é apenas mais uma obra em que Pollock conjuga caos e ordem, mas sim onde pinta um inconsciente com sentido tornando a pintura num jogo entre a vontade de dizer e a vontade de esconder.


Bibliografia

Carr-Gomm, Sarah. A linguagem secreta da arte. Lisboa. Editorial Estampa, 2004
Emmerling, Leonhard. Pollock. Lisboa. Taschen, 2002
Cumming, Robert. Comentar a Arte. Editora Civilização
Gasset, Ortega. A desumanização da Arte. Almedina, 2003
Hugo, Victor. Os Miseráveis (vol.3). Editora Civilização



Ana Duarte, nº37092

5 comentários:

  1. Olá Ana Patrícia,

    Acho interessantes as noções que propões como o “devaneio” e o “pensamento”. Para estabelecer outra ponte, já o Aristóteles dizia que não há pensamento sem fantasia. Nesta tua leitura dos textos penso ser importante identificar esta pintura, como talvez muitas outras, como um “drip-painting” (fase de Pollock entre 1949-52 sensivelmente). Esta obra é um exemplo do fim desta fase (ele morre pouco depois). Vejo os mastros a potenciarem uma divisão do espaço pictórico, o que pode apontar já um novo caminho na obra do pintor.

    O conhecimento do pintor, a buscar do gesto original – gesto como conteúdo, ideia, gesto artístico fundador – levar Pollock a criar a sua performatividade no acto de pintar. A pintura imana do mais profundo do artista, ou seja, é autográfica. Não há aqui mediações/intermediários entre o artista e a obra. A coreografia do gesto fica sujeita ao efeito da gravidade – ao intervalo o lançar da tinta e objectos e a sua queda na tela (o que em si só representa um mar de possibilidades.) Nem a obra, nem o devaneio são submetidos ao problema do estilo. A produção de superfície nos “dripings” de Pollock pode ser espelho da nossa mente – o que se dá, ou não a ver, e mesmo quando.
    Acho todo o trabalho de Pollock fascinante (assim como o da sua mulher Lee Krasner) e acredito que o que o levou à ruína, e consequente à morte foi o seu o facto do seu “action painting” na pintura ter sido desmitificado. A uma certa altura realizaram-se radioscopias dos seus quadros e verificou-se um padrão, repetição nos gestos do seu corpo (não estamos, primeiro de tudo, presos no cárcere do nosso corpo?). Esta descoberta contrapôs a absoluta liberdade do gesto, o que Pollock acreditava.

    Maria Carneiro
    Nº 35164

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  2. Olá Mary!
    Bom, antes demais agradeço o teu vigoroso comentário. Não me foquei tanto no sentido gráfico da obra mas sim na sua realização, daí não ter referido aspectos gráficos como a divisão do espaço que mencionaste.
    Quando já tencionava desistir da obra por esta "não funcionar" acrescentou estes mastros com o intuito de renovar a própria inspiração, acrescentando ritmo e harmonia, no sentido de poder acabá-la.
    Em relação à coreografia do gesto, concordo contigo. No entanto, todos os corpos estão sujeitos à força gravítica mas Pollock soube usá-la a seu favor, como parte do processo de criação artística.
    Quanto à repetição dos gestos, terei de concordar novamente contigo, mas estava a guardar a relação corpo/máquina para a apresentação oral. É a isso que te referes, certo?
    Em relação à causa da sua morte, embora muitas opiniões divirjam, acho que terá sido o alcoolismo o principal responsável, apesar deste ser um caminho para a criação das suas obras, dado que abria espaço ao devaneio do artista.

    Ana Duarte, nº37092

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  3. Saudações, Anne, ;)

    Não estava à espera do Victor Hugo, antes de mais. Apesar daquele trecho da Hatherly dar uma leitura diferente e, talvez, mais opositória e, com isso, ganhasses muito mais questões a abordar, é interessante como o realista francês encontra tamanho significado nesta ligação. No entanto, toca um dos aspectos que mais discuti contigo: o limite do devaneio, da libertação corporal. Até que ponto cada pincelada/queda de tinta poderia ser proveniente do subconsciente, do impensado, do automático? É facto que a acção quase performativa que Pollock procurava na sua criação era filha - pelo menos conceptualmente - dos movimentos livres do corpo - daí a importante referência que sempre frisaste, a arte como extensão do corpo -, mas não será que, a certa altura, o próprio artista encontrou o limite dessa liberdade que sempre procurou, repetindo os movimentos que sempre achou únicos e originais? Tendo em conta aquilo que a Maria referiu, da coreografia corporal estar sujeita à gravidade, vejo, mesmo assim, essa possibilidade de repetição: partindo do corpo, analisando esse movimento, a repetição é passível, e o método pode falhar, conceptualmente.

    (E sim, percebi que irias referir isto em apresentação, mas é muito agradável ver como o próprio texto do Victor Hugo fomenta a ideia, :D)

    Boa sorte para a apresentação, é um tema muuuuuuito interessante.
    Um beijo, dear,

    Sérgio Ribeiro, 37109

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  4. Ana,

    Devo começar por dizer que fiquei muito surpreendida com o texto que seleccionaste. Nunca pensei que no meio de Les Misérables fosse possível haver uma sugestão de leitura de Pollock, como o sugeres. Mas há, e desde já te dou os parabéns pela excelente escolha do excerto! Parece ter sido escrito com laivos de Expressionismo Abstracto em mente!

    Se há corpo verdadeiramente presente na arte, este é o de Pollock e o da estética pela qual é reconhecido. Nesta dinâmica simbiótica, o corpo faz(-se) arte pelo devaneio, não pelo pensamento. O excerto parece “aprovar” a pureza do processo logo na primeira frase – “Na verdade, se nos fosse dado penetrar com os olhos da carne na consciência dos outros, julgaríamos com mais segurança um homem pelo que ele devaneia do que pelo que ele pensa.”

    Assim sendo, a “lente de leitura” proposta por Victor Hugo (e por ti, Ana) permite-nos supor para além da realidade física da obra, e atingir a essência do artista através das suas manifestações na tela. Como disseste, estas são uma extensão do artista, tão genuínas como ele próprio.

    Adoro, adoro, adoro!!! Boa sorte! :D

    Ana Luís
    nº37852

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  5. Ana Luís, que comentário motivador!=)
    Sabes, estive muito tempo a questionar-me se essa relação entre corpo/devaneio seria simbiótica ou mais protocooperativa. Mas depois de reler este excerto de Victor Hugo, cheguem à conclusão que um não é independente do outro, e mesmo que o fossem, Pollock na sua obra faz com que estas trabalhem em cooperação.
    Obrigada Ana Luís, comentários como este levantam sempre novas questões.

    Forte abraço,
    Ana Duarte

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