terça-feira, 31 de março de 2009

Georgia O'Keeffe - William Carlos Williams



Georgia O'Keeffe - Oriental Poppies, 1928
Óleo sobre tela 76,2 x 101,9 cm
Museu de Arte Weisman, Minneapolis (MN),
Universidade do Minnesota

The Red Wheelbarrow


so much depends
upon
a red wheel
barrow
glazed with rain
water
beside the white
chickens

O'Keeffe nasceu a 15 Novembro de 1887, perto de Sun Prairie no Wisconsin. Afirmou querer ser pintora logo aos 12 anos, e foi esse o caminho que perseguiu, tendo aulas de desenho e pintura desde muito nova. O'Keeffe faleceu a 6 de Março de 1986 em Santa Fé com 98 anos, pouco tempo antes da inauguração daquela que viria a ser a sua última exposição individual.

William Carlos Williams (17 de Setembro de1883 a 4 de Março de 1963), poeta americano ligado ao Imagismo e ao Modernismo, foi também pediatra, actividade que exerceu toda a sua vida. Ajudou a nascer mais de 2000 bebés e por vezes escrevia os seus poemas nos blocos de receitas. O seu interesse pelo quotidiano e os seus objectos, assim como a sua atitude aparentemente despreocupada fazem dos seus poemas autênticos instantâneos do dia-a-dia.

A escolha de obras marcantes de ambos os artistas não é casuística. O'Keefe ficou conhecida pelas suas flores, Williams pelo seu Red Wheelbarrow e ambos exprimiram nestas suas obras uma sensibilidade e uma vontade de interpretação e representação do mundo que a meu ver tem muitos pontos de contacto. Um dos paralelismos entre ambos é a fotografia, principalmente através de Stieglitz, companheiro de O'Keeffe, que marcou a obra tanto da pintora como do poeta. Isto porque Williams com a sua teoria Imagista - "no ideas but in things" - se aproxima das artes visuais.

A inspiração de Stieglitz levou ambos os autores a "registar momentos fotográficos", tanto no papel como na tela. Em O'Keeffe, os grandes planos de flores assemelham-se a um close-up fotográfico, que amplia detalhes, abrindo assim um novo universo de conhecimento e observação de um objecto que inicialmente poderia parecer demasiado simples ou já muito visto. Williams faz o mesmo com o seu poema, congela um momento, a imagem de algo aparentemente comum e irrelevante, e faz depender da observação desse objecto e da sua cristalização naquele momento fotográfico a compreensão de algo muito maior e mais importante do que um simples carro de mão vermelho.

Outro dos pontos de contacto é o facto de Williams utilizar a expressão glazed, que segundo muitos críticos dá vida ao poema, como um referencial à técnica usada na pintura o glazing. Esta técnica é usada pelos pintores para realçar transparências, dar mais luz ao quadro e salientar as cores, garantindo assim a sua duração ao longo dos anos. Williams faz o mesmo no seu poema trazendo não só luz e cor como realçando os mesmos pelo uso deste termo.

Por fim temos o vermelho, cor pouco usual para carros de mão, mais comum em flores, mas que de qualquer forma torna o quadro e o poema numa unidade vibrante não só de sentido, mas de infusão de vida. O'Keeffe almeja despertar a nossa perplexidade perante as suas flores, a grandeza com que são representadas «Pintarei o que vejo - o que a flor é para mim, mas vou pintá-la em grande e eles ficarão surpreendidos ao levarem tempo a observá-la [...]»

Bibliografia
Benke, Britta, Georgia O'Keeffe, Flores no Deserto, Taschen, Köln, 2001.
The Norton Anthology of American Literature, Sixth Edition. Gen.ed. Nina Baym.New York:W.W. Norton & Company, 2003.

10 comentários:

  1. flores cheias de sugestões sinestésicas, eróticas...

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  2. A natureza foi de facto o grande tema inspirador para os artistas do início do século.
    Todo este trabalho remete-me para o Alberto Caeiro que descrevia maravilhosamente a natureza; as papoilas lembraram-me parte da exposição do Darwin (que se encontra na Gulbenkian) em que um cientista estudava orquideas e através de um microescópio estudava a reprodução entre as flores.

    Parece que neste quadro isso também acontece. Mas a artista, embora tenha feito um close up às flores, penso que há alguns pormenores que não estão incluidos.

    O quadro também me fez lembrar as célebres danças dos filmes do Busby Berkeley (anos 30) em que alguns dos números de dança são filmados em picado vertical e a coreografia é em forma de caleidoscópios absolutamente eróticos!

    Penso também que de facto começa a exisitir um paralelismo entre a fotografia e a pintura. E isso é bastante importante para a criação de um novo significado de arte.

    Acho este trabalho bastante interessante e estou curiosa para ver outros quadros da O'Keeffe (A colega vai levar mais algum quadro a título de exemplo?)

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  3. Chloé Lopes disse :

    Isso me faz pensar em haikus.
    http://en.wikipedia.org/wiki/Haiku (em inglês)

    O conceito de haiku me parece complexo dum ponto de visto occidental mas o que me parece importante é :
    - frases pequenas e concisas para exprimir um momento sem limitar-se à descriçao : O keefe mesma dizia que so estava a pintar flores, sem simbolismo fixo (liberdade de sentimento dada ao espectator)
    - com a ideia do desfocado (como as cores de "Poppies"), limitar-se a evocaçao e dar "food for thought" ao leitor ou a audiência.
    - uma referência à Natureza obrigatoria

    um exemplo encontrado :

    Snow in my shoe
    Abandoned
    Sparrow's nest

    Jack Kerouac (collected in Book of Haikus, Penguin Books, 2003)


    Whitecaps on the bay:
    A broken signboard banging
    In the April wind.

    Richard Wright (collected in Haiku: This Other World, Arcade Publishing, 1998)


    Encontrei que o William Carlos Williams ligou-se com o Ezra Pound na sua juventude. Ezra Pound deve ser um dos primeiros poetas americanos que intereseram-se ao Oriente e ao Haiku.




    Boas ferias

    chloe

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  4. Aqui sao exemplos vendo da America, mas é uma forma de poesia tradicional japonesa, a qual foi uma influência major nas artes americanas, como o budismo ou sejam outros orientalismos.
    Reacçao a modernidade que esta a desevolver na America na primeira parte do Século XX ?
    Demasiado materialismo que inspira uma necessidade de formas mas espirituais ou ao menos evocadoras ?

    (esqueci escrever)
    (disculpa o meu Português, estou com o meu dicionario sobre os meus joelhos e o teclado do meu computador é Francês - faltam caractéros)

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  5. Poderia ter sido:
    "so much depends
    upon
    red oriental
    poppies
    glazed with rain
    water
    beside the white
    chickens"

    Foi do que me lembrei quando li o post e informei depois acerca do Imagismo (que desconhecia). Seria uma "imagem" perfeitamente válida, caso tivesse sido essa a ideia do Williams.

    Gosto muito deste post, e da resolução da Manuela de aproximar ambos os textos com a fotografia enquanto elemento unificador, porque parece-me que é mesmo caso para se dizer que nem esta pintura nem este texto existiriam desta forma, caso a fotografia não tivesse surgido antes. No caso da pintura, devido à referida ideia do close-up; no caso do poema, devido à, também referida, forma como a fotografia tinha passado a possibilitar a ideia de "fixação do instante". É como se ambos se tivessem apropriado das especificidades da linguagem fotográfica, transpondo-a e adaptando-a depois aos respectivos campos de acção (pintura/poesia).

    Creio que uma outra ligação que seria interessante estabelecer neste diálogo é que, na pintura, O'Keeffe aplica a tinta negra pura para realçar o vermelho das pétalas das papoilas, e, no poema, Williams utiliza o branco das galinhas também para realçar o vermelho do carro de mão. Ou seja, ambos recorrem, na construção das respectivas "imagens", a cores neutras para realçar a expressão desse elemento unificador que a Manuela também refere: o vermelho.

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  6. Este comentário foi removido pelo autor.

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  7. Cláudia,

    antes de mais obrigada pelo comnetário. Sim, vou levar um livro com mais representações de trabalhos da O'keeffe em que poderemos inclusivé ver a influência da fotografia na obra da pintora.

    Quanto à tua relação com Busby Berkeley foi algo em que não tinha pensado mas que é interessante e que tentarei referir na apresentação.

    Qaunto à influência da natureza em O'keeffe isso está patente não só nas flores mas em outros temas que a pintora abordou na sua obra e dos quais também tentarei falar.

    Quanto à referência bucólica ligada ao Caeiro e a científica da observação ao microscópio de flores é também interessante, já que O'keeffe tinha realmente o desejo de nos mostrar as flores de forma a que não pudessemos fugir à contemplação das mesmas. Ela quase nos obriga a olhar para elas.

    O facto de as flores emanarem sensualidade não me parece como a própria O'Keeffe dizia que fosse intencional da sua parte mas absolutamente normal, já que a nossa observação de flores nunca é feita com a próximidade com que O'keeffe faz e por isso nos escapa a sua grande sensualidade. Aliás a meu ver a natureza em geral é bastante sensual. Talvez depois possamos elaborar melhor esta ideia.

    Chloe,

    Grata pelo comentário. Já tinha pensado em referir o Haiku, é incontornável. Obrigada pelos exemplos, depois quem sabe podes durante a apresentação ajudar a defenir o que esse tipo de poesia é. Já sei que já me ouviste falar da O'Keeffe e que não é das tuas artistas preferidas mas ainda assim peço que graciosamente ouças mais uma vez e se puderes dês algum "input" durante a minha apresentação é sempre bom perceber porquê gostamos ou não de algo. Espero que goste de WCW assim não se perde tudo.

    As influências orientais de que falas também existem na obra de O'Keeffe, como de certeza já sabes, e serão mencionadas na apresentação.

    Zé Luis,

    gostei também muito do teu comentário.Também irei falar do Imagismo e quem sabe podes dar a tua contribuição falando do que descobiste na tua investigação, isso seria bom, assim não a apresentação é mais interactiva e menos maçadora.

    A observação acerca do caracter fotográfico de ambas as obras é correcta e é um dos pontos que tenciono focar. Aliás porque ambos tentam a partir de uma imagem abrir um "portal" à meditação, à contemplação, o objectivo é levar-nos a transcender a imagem e compreender algo mais acerca deste mundo. Tentarei explicar melhor esta ideia na apresentação.

    Por fim, tenho que te agradecer pelo teu olhar cirurgico e pela sugestão das cores que surgem em ambas as obras por contraste com o vermelho, que no fundo servem para realçar este último. Tinha pensado nisso em relação ao poema (branco) mas não tinha verificado isso em relação ao quadro (preto), grata mais uma vez pelo comentário, adicionou sem dúvida algo.

    Dr. Diana,

    quanto à sensualidade, já comentei acima e tentarei desenvolver. Não será fácil abordar tantas ideias, vou tentar. Quanto à defesa da Obra da O'Keeffe, acho que ela já fez um excelente trabalho por si mesma, a minha ajuda é dispensável mas, como apreciadora concerteza que terei o maior prazer em falar dela e do porquê de gostar da sua obra.

    Manuela Fernandes

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  8. significado das flores:

    papoilas (em geral)- fertilidade, ressurreição,sonho (eterno), Imaginação, "Dreaminess"

    Papoilas Brancas - consolação
    Papoilas Vermelhas - prazer

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  9. Confesso, antes de mais, o facto de a língua inglesa não ser o meu forte apesar de “ficar sempre bem” (: Temo, por isso, não ter interpretado de forma correcta o poema (se é que há uma forma correcta de interpretar alguma coisa…). Apesar de as palavras de Williams congelarem um momento “simplório”, não me parece que seja só apenas isso. “So much depends” é o verso-chave pois se, por um lado o poema evoca um quadro simples e objectivo, por outro, omite um algo ou muitos “algos” que dependem desse momento estático e, ao mesmo tempo, dinâmico. Tudo parece calmo, em harmonia; o carrinho-de-mão parado, junto às galinhas. A chuva e as galinhas entram em contraste pelo seu movimento. Inércia vs. Acção. A cor também parece jogar nesse sentido: o vermelho do carro em oposição ao branco das galinhas e, talvez, à translucidez da chuva. No meu ver, a relação que se trava entre a fotografia de O’Keeffe e o texto de Williams faz-se através da ausência/presença de movimento nos seus respectivos trabalhos, dada, em parte, pelas cores. A fotografia que a colega Manuel apresentou (e não estou a tratá-la por você, mas antes a falar para todos nós, colegas : P ), Oriental Poppies, aparenta um estado de paz, de fragilidade. Porém, algo vibra. A cor de fundo não foi escolhida por acaso… ela funde-se com a cor das flores, criando um objecto uno, ou seja, as cores movem-se e se juntam. A cor vibra e o próprio desenho das pétalas, também, como se se mexessem ou se estivessem a mexer no momento em que a fotografia foi tirada. O’Keeffe penetra quase “microscopicamente” (como já foi referido) nas papoilas como se tentasse captar a energia dinâmica que uma flor (vulgarmente vista como ser vivo parado) encerra em si mesma. E Williams parece encontrar num momento simples, natural, sem nada de muito complexo à primeira vista, uma conexão com o mundo, conferindo a esse mesmo momento uma grande importância à sua existência. Temos, assim, dois textos que expõem objectos aparentemente fixos mas que estão em contacto com outros objectos exteriores, em comunicação constante e vibrante com o cosmos.


    - Não encontrei, numa primeira leitura, uma ponte de contacto entre os dois textos mas agora vejo que fora uma escolha pensada e pertinente, Manuela. Bom trabalhinho!

    Sara Santana, 35175

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  10. Já agora, que respondeste ao professor? Achas que as flores da O'Keeffe são, ou não, representativas do ser feminino? Fiquei curioso, e esqueci-me de to perguntar no outro sítio.

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