segunda-feira, 3 de maio de 2010

Richard Serra e José Régio


Betwixt The Torus and the Sphere
wheatherproof steel, three spherical sections, three torus sections
(360,7 x 1143 x 810,3 cm)


Betwixt The Torus and the Sphere (detail), 2001
Photo by Dirk Reinartz


Cântico Negro

"Vem por aqui" — dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...
(…)
Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...
Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por aqui!"?
(…)

José Régio


Richard Serra (1939 - ), é um escultor americano, associado à arte minimalista, que nasceu em São Francisco da Califórnia e que desde cedo revelou-se um artista que buscava a originalidade e recusava os convencionalismos. Começou por utilizar materiais como o chumbo derretido (influenciado pela técnica de “dripping” de Pollock), borracha e luzes néon. Mas foi com as suas esculturas em grande escala, obras que desafiam a força da gravidade e os limites da engenharia, que Serra se tornou polémico.
Estas esculturas, em aço oxidado pelo tempo, são concebidas para sítios específicos, criando diálogos com cenários arquitectónicos particulares, urbanos ou mesmo com a paisagem. Têm ainda a capacidade de redefinir o espaço e a percepção que o espectador tem dele. Ao analisar as forças gravitacionais da escultura, o artista estabelece essa relação com o espaço e as pessoas.
Estas esculturas convidam a entrar e apelam aos sentidos do espectador, proporcionando uma experiência principalmente física.
Com estas obras, Richard Serra, pretende que as pessoas pensem, parem e reflictam sobre a forma como a escultura as afecta ou afectou, com elas, promove o cruzamento entre a fisicalidade do espaço, a natureza da escultura e o corpo do homem.

José Régio (1901-1969), pseudónimo de José Maria dos Reis Pereira, natural de Vila do Conde, foi professor, poeta, romancista, dramaturgo, ensaísta e crítico, entre outras actividades de carácter literário e artístico.
Foi um dos fundadores da revista Presença, que marcou o segundo modernismo português e do qual foi o principal impulsionador e ideólogo. A sua obra reflecte sobre problemas relativos ao conflito entre Deus e o Homem, o indivíduo e a sociedade, analisando a problemática da solidão e das relações humanas.
Régio, teve uma participação activa na vida pública e politica. Manteve-se sempre firme e frontal nos seus ideais socialistas, apesar do regime repressivo da época. Durante o Estado Novo, quando vigorava o regime político autoritário e corporativista em Portugal (1933 – 1974), viu mesmo o seu romance, Jogo da Cabra Cega, ser proibido pela censura, por conter referência a registos pulsionais e a questões de carácter edipiano.

Reflexão

CAMINHOS
A escultura de Richard Serra convida a entrar, a percorrer caminhos. Apela ao sentido mais físico do homem, ao confrontá-lo com peças de aço enferrujado de grandes dimensões, a ponto de o espectador se sentir insignificante. Evoca o sublime ao inspirar, pela noção de grandeza, sensações como temor, opressão, sufoco. Traça percursos, interiores e exteriores, que o artista determinou, induzindo os corpos a percorrê-los e a tirarem dessa experiência uma mediação entre o corpo e o espaço. A obra escultórica apresenta-se assim, como fonte de energia que impele os sentidos e atrai os corpos para o seu interior.
O poema de Régio, sugere algo oposto. Há uma imposição, uma recusa em seguir a vontade de outrem. Sugere uma determinação de carácter, uma vontade de seguir o seu instinto. Alguém que quer seguir o seu próprio caminho, sem elos nem amarras que o possam impedir de ser livre criador. Propõe a negação ao convite de percorrer caminhos instituídos ou convencionados, que lhe são apresentados por outros, para seguir o seu próprio percurso, aquele em que acredita.
Ao analisar estas duas obras, a escultórica e a literária, imediatamente me ocorre a palavra “caminhos”, como ponto de união ou como conceito comum que as interliga. Caminhos que atraem e repelem, percursos que o homem aceita ou recusa fazer.
O homem, o artista, o poeta. Todos percorrem caminhos, idealizados ou não, mais ou menos concretizados. Caminhos que rumam à felicidade, ao prazer, ao desespero, à loucura, ao triunfo, que marcam o individuo e o caracterizam. A vida é como um jogo que impõe escolhas, caminhos a percorrer e eis que sem esperar, a pergunta surge:
“ Qual deles irei escolher?”


Bibliografia

FLORÊNCIO, Violante, Ensaio: Jogos edipianos em “Jogo da Cabra Cega", Revista Colóquio/Letras. n.º 140/141, Abril-Setembro, Edição e propriedade da Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1996, p. 82-88.

NUNES, Paulo Simões, Arte e Teoria. Revista do Mestrado em Teorias da Arte – nº 2”, FBAUL, Lisboa, 2001, p. 92-105.

CRIMP, Douglas, Sobre as Ruínas do Museu, Edição Martins Fontes, S. Paulo, 2005.

Catálogo: Primeira Exposição – “Diálogo sobre a Arte Contemporânea na Europa”, CAM - Fundação Calouste Gulbenkian, 1985.

NOVAIS, Isabel Cadete, Herdeiros de José Régio, Antologia Poética: Não Vou Por Aí!, Quasi Edições, Vila Nova de Famalicão, Março 2001.


Sitiografia

http://cvc.instituto-camoes.pt/conhecer/exposicoes-virtuais/jose-regio-e-os-mundos-em-que-viveu.html

http://www.astormentas.com/biografia.aspx?t=autor&id=Jos%c3%a9%20R%c3%a9gio

http://www.geira.pt/cmjoseregio/

http://coloquio.gulbenkian.pt/bib/sirius.exe/issueContentDisplay?n=140&p=82&o=p

http://www.ubu.com/historical/serra/index.html

http://www.moma.org/interactives/exhibitions/2007/serra/flash.html

http://www.sculpture.org/documents/scmag02/oct02/serra/serra.shtml

http://www.guggenheimcollection.org/site/artist_bio_144A.html

http://www.gagosian.com/artists/richard-serra/

http://www.egodesign.ca/en/article.php?article_id=100&page=4

www.flickr.com/photos/89056025@N00/1360954280/

www.flickr.com/photos/89056025@N00/1360954280/

artchitecture.skynetblogs.be/post/3650322/rse...

Youtube – Richard Serra talks with Charlie Rose




Iolanda Batista – nº 37683

2 comentários:

  1. Olá Iolanda,

    Estamos aqui a falar, sem dúvida, de espaço, objecto e ocupação do espaço. Os Minimalistas diziam que uma obra de arte deveria ser um objecto independente no mundo e penso que estas elipses, ondas, do Serra são um excelente exemplo disso. A experiência em tempo real que o espectador vive fisicamente no espaço ocupado pela obra é central para a sua significação, como de igual modo, para a descoberta da obra. Ao ter de andar e ver, à vez, lados da obra o espectador afecta-se a si próprio e à sua dimensionalidade no espaço. Ao olhar esta escultura em particular sinto ser convidada a entrar em algumas frinchas, as côncavas; nas outras não tanto. Este convidar atractivo da própria escultura pode-se ligar ao poema, à vontade livre de entrar ou de ser chamado a ir. O poeta pode não ir pelas frinchas, mas sim circundar a escultura, e já aí tem uma experiência performativa da obra, dos tais caminhos que referes.

    Aprecio muito o Minimalismo pelo seu despojamento. Ao mesmo tempo é uma arte extremamente efectiva e intricada. Muitas vezes o Minimalismo é apontado como contra ponto ou resposta antagónica ao Expressionismo Abstracto. Eu penso que, por um lado, há um elo forte que os une. Os seus processos de construção e ideia por detrás são distintos, mas os dois desafiam o espectador na medida em que as obras de ambos proporcionam momentos performativos ao espectador, sendo os objectos performativos também. Estou a pensar nos mix media de Rauschenberg, por exemplo – quando há uma objectualização da pintura. Os elementos começaram a sair da tela num movimento de afastamento da parede em direcção ao espaço da sala.

    Maria

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  2. Olá Iolanda.
    Esta obra de Serra parece-me fascinante (nunca vi nenhuma obra dele ao vivo, acho...)
    No vídeo, a determinada altura, Serra diz que a obra permite que se ande continuamente, sem parar, o que até certo ponto me parece ir ao encontro do poema de Régio, quando escreve " Só vou por onde /Me levam meus próprios passos..."
    Mas, ao mesmo tempo, a obra parece contradizer o poema de Régio, que se afirma livre para fazer o caminho que pretende, enquanto "Betwixt The Torus and the Sphere" nos convida a percorrê-la, a conhecê-la, a irmos com ela.
    Parece-me um resumo destes excertos do poema de Régio.
    Bom trabalho.
    Catarina Marques, nº 27173

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