Nocturne in Black and Gold: The Falling Rocket, James Whistler, 1875
- é noite
- a cidade pendurou ao pescoço seus filamentos de néon
(...)
- corremos
- em cada voz sussurrada acorda um objecto cortante
- é noite dolorosamente noite
- incrustaram-se nas pálpebras da noite brancas imagens
Al Berto, in Apresentação da Noite
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James Abbott McNeill Whistler (1834-1903) nasceu em Lowell, Massachusetts. Aos 17 anos ingressa na Academia Militar de West Point, em Nova Iorque, não vingando nos estudos – excepto em desenho:
“Os grosseiros esboços de Whistler revelavam indiscutível talento e singular independência de pensamento.”[1]
Inadaptado, vai para Paris, onde fica durante 4 anos e se matricula no estúdio de Charles Gleyre, onde Monet e Renoir, precursores do impressionismo, também estudariam. É influenciado pelas gravuras japonesas, trazidas para “consumo” ocidental após os feitos do Almirante Perry no Pacífico, os quais abriram as portas do Japão ao comércio. Sempre controverso, de indumentárias vistosas, expõe o muito criticado Arrangement in Black and Grey: The Artist’s Mother em 1872, na Academia Real de Londres.
Em 1876, Frederick Leyland encomenda-lhe um trabalho de decoração na sua sala dedicada ao orientalismo. O primeiro objectivo era apenas de abrilhantar a sala de forma a expor a sua colecção de cerâmicas chinesas. Whistler ter-se-à excitado com a ideia e, aquando da apresentação daquela que ficou conhecida como The Peacock Room ao seu dono, este ficou estupefacto e escandalizado com o resultado.
Em 1877, Whistler exporia na Galeria Grosvenor. Acreditando que tal exposição lhe traria grande reconhecimento, bem como boas vendas, ordena a construção de uma casa na rua Tite. No entanto, a opinião de John Ruskin, entre outros, viriam a ter graves repercussões na opinião pública londrina. Nocturne in Black and Gold: The Falling Rocket seria o principal objecto das criticas, :
“... cuja grosseira presunção tanto se aproxima da impostura. Vi e ouvi muita insolência antes disso, mas jamais esperei ouvir um pelintra a pedir 200 guinéus para arremessar um pote de tinta na face do público.”[2]
A exposição, ao contrário do que Whistler esperava, trouxe-lhe apenas prejuízo. Processa Ruskin por difamação – o que chocaria toda a Inglaterra -, tendo ganho o caso. No entanto, é indemnizado com um farthing, valor correspondente a um quarto de pence (quantia ínfima), depois de ter pago todo o processo, bem como o advogado. Declara falência em 1879. A sua residência na rua Tite é vendida com todos os seus pertences; é enviado para Veneza pela Sociedade de Belas Artes de Londres para fazer uma série de gravuras, voltando a Londres em 1880.
Casa-se aos 54 anos (1888) com a viúva do arquitecto que projectou a sua casa na rua Tite. No ano seguinte, bem como em 1891, é condecorado pelo governo francês. Em 1891 dá uma grande exposição em Paris, onde fica a viver com a sua mulher. Acaba por voltar a Londres aquando da doença daquela, morrendo ambos pouco após.
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Poeta português, natural de Coimbra, Al Berto (1948–1997) frequentou diversos cursos de artes plásticas, em Portugal e em Bruxelas, onde se exilou em 1967. A partir de 1971 dedicou-se exclusivamente à literatura. Estreou-se com o título À Procura do Vento no Jardim de Agosto (1977). A sua poesia retomou, de algum modo, a herança surrealista, fundindo o real e o imaginário. Está presente, frequentemente, uma particular atenção ao quotidiano como lugar de objectos e de pessoas, de passagem e de permanência, de ligação entre um tempo histórico e um tempo individual. Por vezes, os seus textos apresentam um carácter fragmentário, numa ambiguidade entre a poesia e a prosa (Lunário, 1988; e O Anjo Mudo, 1993).
(retirado de www.astormentas.com)
[1] Wier, Robert W., instrutor de Whistler na Academia Militar de West Point in McKinney, Roland I., Pintores Americanos Famosos, Editora Lidador, 1965, Rio de Janeiro
[2] Ruskin, John, crítico de arte inglês in Flexner, James Thomas, Pequena História da pintura Norte-Americana, Livraria Martins Editora, 1963, São Paulo
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Apresentação da Noite nasceu, a um dado momento, da necessidade de tornar audível esse silêncio onde se perde todo e qualquer desejo de escrever.
Al Berto, in Apresentação da Noite
A escolha destes dois objectos de estudo partiu, em grande parte, da ligação que a noite cria entre ambos. Elemento fundamental em toda a obra de Al Berto, bem como na série de Nocturne[s] de Whistler, a noite serve de ambiente, tema, objecto e corpo.
Nocturne in Black and Gold: The Falling Rocket de Whistler, por sinal o mais negro em ambiente de entre os Nocturne[s], transmite toda uma ideia de expectação; o quadro e todos os seus elementos apresentam-se impregnados de movimento, fruto da pincelada incerta do artista, tendo, no entanto (e sublinho), inerente uma calma e, sobretudo, uma estagnação próprias da noite. O olhar observador precisa de parar e sorver, “vagarosamente”, cada pincelada de negro, cada pincelada de luz. Esta última, bem como a cidade de Londres sobre o Tamisa, surgem como intrusos daquela noite estagnada, enclausurada na sua inércia inata, certamente cheia de sons, ruídos, “sussurros”, mas descansada como aqueles que nela adormecem. Não obstante, é injusto considerarmos a luz puramente uma intrusa, neste caso específico: o fogo de artifício, tema/título do quadro, espalha-se pela noite, fundindo-se brutalmente com ela. O olhar expectante procurará, observando languidamente, o efeito que aquele rastro de luz terá no negro, aprimorando a ruptura que se funde em si própria, como uma insónia de luz.
Em Al Berto, a insónia é mote, e a noite é a folha sobre a qual o devaneio se inscreve. Por vezes abraçada à dor, a noite é o “espaço” dos corpos mortificados, dos corpos ausentes, dos corpos bêbedos e daqueles embevecidos pelo abraço escuro sobre a cidade. No extracto escolhido, retirado da montagem de extractos que é Apresentação da Noite, a cidade, sobre a qual cai a noite, surge como um espaço primordial: local de fuga e/ou clausura, a cidade é expectante, passiva, corroída, desejada, usada... A cidade é o corpo ausente; a sua paragem, o seu adormecimento, a sua insónia exigem o devaneio de uns (do sujeito poético, por exemplo) e a ausência de outros. No entanto, aqueles que ficam são doentes, “rostos carcomidos”, corpos perturbados pelo sonho e pela consciência esquecida. A cidade, recupero, pára de noite. Motores, vozes longínquas, “a ténue luminosidade do crepúsculo”: fundem-se todos estes elementos, destacando-se ao mesmo tempo, como objectos cortantes que abrem feridas no asfalto. A cidade é o corpo ausente, repito: é a memória. Tal como no quadro de Whistler, a cidade é o elemento-metáfora de todos os corpos: os que observam, festivos e expectantes, o fogo de artifício em Cremorne Gardens; os que devaneiam “pelos alicerces calcários da cidade”; e, sobretudo, os que dormem.
A noite funciona, assim, como ausência: a saudade, inerente tanto no excerto como no quadro, procura um elemento para sentir falta (a luz, presente em ambos, mas efémera – no caso do crepúsculo - e artificial – no caso do fogo de artifício e da iluminação artificial), e, de facto, é esse um dos pontos primordiais a reter: a calma e a expectação são inerentes em ambos os objectos de estudo, sendo frutos da própria essência da noite, do hábito consecutivo, da eternidade do escuro descansado.
Como já lhe sugeri anteriormente, Sérgio, faça um resumo dos dados biográficos de Whistler. Se comparar a extensão da sua apresentação com as dos colegas, verá que a sua é demasiado longa.
ResponderEliminarDiana Almeida
Já está reduzido, professora. Como pesquisei imenso sobre a vida de Whistler - e porque se nota a influência da sua vida na obra -, cada pedaço de informação me parecia interessante. No entanto, creio que este tamanho é mais... "comercial".
ResponderEliminarSérgio Ribeiro, 37109
Sérgio:
ResponderEliminarComo está explícito no programa da cadeira, o texto a colocar no blog deve ser um RESUMO daquilo que vocês pretendem abordar na vossa apresentação oral. Ainda que tenha feito uma extensa pesquisa sobre os dados biográficos do artista (que estão sempre relacionados com a obra), pretende-se que apresente apenas alguns tópicos fundamentais, de modo a situar os colegas e a contextualizar a sua leitura.
Parece-me, pois, que o adjectivo "comercial" relevará a sua diferente interpretação dos pressupostos deste texto. Assim sendo, sugiro que reavalie a sua posição e encurte o seu texto.
Grata.
Diana Almeida
Caro Sérgio,
ResponderEliminarTal como tu, também eu encontro relação entre esta imagem de James Whistler e o excerto de Al Berto por ti escolhido.
Convém contudo referir que, em Al Berto, a noite é, para além de desejo, inquietação. A insónia, o revolver do sangue no corpo e o desespero silencioso, são disso exemplos.
A solidão atormentada, transposta por Al Berto no excerto aqui tratado, encontra eco nesta imagem de Whistler, manchada por uma forma clara e serpenteante, que desce da noite até às areias que um só homem pisa.
É, na minha opinião, uma imagem inquietante.
O apaziguamento, o sossego e a languidez ficarão, talvez, para outras ocasiões...
Dou-te os parabéns pelas tuas escolhas e temas, continua o bom trabalho!
Nota: embora eu gostasse muito que tal fosse verdade, o Al Berto não era natural de Sines, mas sim de Coimbra. Só alguns anos mais tarde se tornou Alentejano. Fica o pequeno reparo.
Um abraço,
Fernando Claudino
Aluno n.º 36447
Fernando,
ResponderEliminareu SABIA que ele era de Coimbra. Sinceramente, como havia pouca informação disponível da vida dele (só há um livro editado de uma senhora húngara...), preferi fazer o copy paste d'astormentas... Bom, saiu-me furado, nem me apercebi do enorme erro. Agradeço, desde já, o reparo.
Quanto à "crítica"... a calma e a expectação que referi são, sobretudo, "filhos" da cidade. O sujeito que nela vagueia será, todo ele, tormento e, como referes, inquietação. Mas, tanto no excerto (não n'A Apresentação da Noite como um todo), como no quadro, o que sobressai é essa paragem, esse retomar de fôlego, esse apaziguamento, já que sublinham ambos a noite e a cidade, e não os sujeitos que por elas vagueiam - se bem que são referidos, sem dúvida.
MUITO obrigado, Fernando,
(Outro) abraço,
Sérgio Ribeiro, 37109