
Branco e Vermelho
A dor, forte e imprevista,
Ferindo-me, imprevista,
De branca e de imprevista
Foi um deslumbramento,
Que me endoidou a vista,
Fez-me perder a vista,
Fez-me fugir a vista,
Num doce esvaimento
Como um deserto imenso,
Branco deserto imenso,
Resplandecente e imenso,
Fez-se em redor de mim.
Todo o meu ser, suspenso,
Não sinto já, não penso,
Pairo na luz, suspenso…
Que delícia sem fim!
(…)
A dor, forte e imprevista,
Ferindo-me, imprevista,
De branca e de imprevista
Foi um deslumbramento,
Que me endoidou a vista,
Fez-me perder a vista,
Fez-me fugir a vista,
Num doce esvaimento.
Ó morte, vem depressa,
Acorda, vem depressa,
Acode-me depressa,
Vem-me enxugar o suor,
Que o estertor começa.
É cumprir a promessa.
Já o sonho começa…
Tudo vermelho em flor...
(PESSANHA, 2009, p. 107-109)
“A experiência trágica fortificante é para mim a única fonte de arte.”
Mark Rothko
Marcus Rothkowitz nasceu na Rússia a 25 de Setembro de 1903, com apenas dez anos imigrou com a sua família para os Estados Unidos da América. Cedo conviveu e estudou com artistas; apercebendo-se de que a arte, enquanto expressão da tragédia da condição humana, teria que encontrar uma linguagem nova. Aos poucos, foi experimentando, utilizando novas linguagens, e acabou mesmo por abandonar os elementos figurativos, concentrando-se nos elementos pictóricos puros, convicto de que, só por si, divulgariam uma elevada verdade filosófica. Suicidou, em 25 de Fevereiro de 1970. Acreditava que uma imagem abstracta representava directamente a natureza fundamental do drama humano.
Quando pediam a Mark Rothko para comentar as suas obras respondia dizendo: “O silêncio é o mais acertado”. Foi um dos artistas mais importantes do século XX. Era um homem culto que se interessava por música, literatura, filosofia e mitologia grega.
Influenciado pela obra de Henri Matisse –a quem homenageou numa das suas telas – Rothko ocupou um lugar singular na Escola de Nova York. Após ter experimentado o expressionismo abstrato e o surrealismo, desenvolveu, no final dos anos 1940, uma nova forma de pintar. Hostil ao expressionismo da Action Painting, Mark Rothko (assim como Barnett Newman e Clyfford Still) inventa uma forma meditativa de pintar, que o crítico Clement Greenberg definiu como Colorfield Painting ("pintura do campo de cor").
Camilo Pessanha nasceu em Coimbra no ano de 1867. Grande parte de sua vida transcorreu em terras estrangeiras, já que em 1894 o poeta foi nomeado professor do Liceu de Macau, após a disputa de uma única vaga com 39 concorrentes. No jornal macaense Ideia Nova, encontra-se a publicação póstuma de seu célebre e longo poema Branco e Vermelho, datado de 1929. A obra de Camilo Pessanha é considerada o modelo mais lapidado da estética simbolista portuguesa.
Relação entre a obra e o texto
A relação entre estas duas obras é a transformação de sentimentos em cores fortes, vibrantes e que se contrastam entre si. Sendo a obra de Rothko uma composição, onde a tensão se expressa por toda a tela, através de várias camadas cromáticas, podendo referir-se à “dor, forte e imprevista” de Pessanha, estando relacionado com o drama interior do ser humano. No meio de toda a composição, existe uma risca branca, que está ligada à neutralidade, um ponto de serenidade que é procurado por Pessanha, “um deslumbramento, que me endoidou a vista”, esta risca branca também é referida como uma luz, que permite apreender visualmente o mundo, tal como o poeta explicíta, “Fez-se em redor de mim. Todo o meu ser, suspenso, Não sinto já, não penso, Pairo na luz, suspenso… Que delícia sem fim!”, que poderá ser a perda de consciência da realidade do poeta. Este poema de Camilo Pessanha dá enfase à visão (sem a visão o poeta não tem noção de como é a realidade), à luz (como um meio de percepção do mundo) sendo estes dois elementos relacionados com o termo Branco, que irá contrastar com o Vermelho, que por sua vez, estará relancionado com a dor do poeta, da “morte” que anseia tanto. Esta tensão entre o Branco e o Vermelho poderá ser o confronto entre a realidade e o imaginável, onde o poeta deseja sair do seu ‘eu’ e partir para um “novo mundo” idealizado por si, imune à dor.
Estas duas obras são semelhantes, no que toca à expressão de sentimentos e na maneira que estes dois artistas se expressam.
de Sara Henriques, aluna nº38380
Bibliografia consultada:
- BAAL-TESHUVA, Jacob, Mark Rothko: Pintura como Drama, Taschen, Colónia, 2010
- CHAVE, Anna C., Mark Rothko: subjects in abstraction, Yale University Press, Londres, 1989
- GLIMCHER, Marc, The art of Mark Rothko into an unknown world, Barrie & Jenkins, Londres, 1992
- HESS, Barbara, Expressionismo Abstracto, Taschen, Colónia, 2010
- ROTHKO, Mark, trad. Fernanda Barros, Mira, A realidade do artista: filosofias da arte, Cotovia, Lisboa, 2007
- http://pt.wikipedia.org/wiki/Camilo_Pessanha
- http://pt.wikipedia.org/wiki/Mark_Rothko
- http://www.nga.gov/feature/rothko/rothkosplash.shtm
- http://purl.pt/14369/1/ (Camilo Pessanha : Biblioteca Nacional de Portugal)