quarta-feira, 7 de abril de 2010

Joseph Cornell || Federico Garcia Lorca

Tilly Losch c. 1935
Construction, 10 x 9 1/4 x 2 1/8 in.
Collection Mr. and Mrs. E. A. Bergman, Chicago
De Joseph Cornell (Nova York, 24 Dezembro 190329 Dez de 1972

TUA INFÂNCIA EM MENTON

Sim, tua infância: já fábula de fontes.
Jorge Guillén

Sim, tua infância: já fábula de fontes.
O comboio e a mulher que preenche o céu.
Tua solidão esquiva nos hotéis
e tua máscara pura de outro signo.
E a infância do mar e teu silêncio
onde os vidros hábeis se quebravam.
[…]
Mas eu hei-de buscar pelos recantos
tua alma tépida sem ti que não te entende,
com a mágoa de Apolo prisioneiro
com que rasguei a máscara que levas.
Ali, leão, ali, fúria de céu,
deixar-te-ei pastar em minhas faces;
cavalo azul de minha loucura, ali,
pulsar de nebulosa e ponteiro dos minutos.
[…]
Amor, amor, amor. Infância do mar.
Tua alma tépida sem ti que não te entende.
Amor, amor, um voo da corça
pelo peito infinito da brancura.
E tua infância, amor, e tua infância.
O comboio e a mulher que preenche o céu.
Nem tu, nem eu, nem o ar, nem as folhas.
Sim, tua infância: já fábulas de fontes.

Federico Garcia Lorca (Granada, 5 Jun 1898- 19 Agos 1936)

Se um dia se descobrisse um modo de prolongar o corpo humano para uma espécie de extensões, que permitissem guardar memórias, e sempre que necessário, poder olhar para elas, essas extensões, poderiam ser caixas com vários objectos, e cada um deles remeteria para um momento; poderiam também ser poemas, onde cada palavra se endereça a um instante.
Corria o ano de 1931 em Nova York. Joseph Cornell, então com 28 anos, visitava Julien Levy na sua galeria. Levy desempacotava as obras de artistas europeus, que estariam na sua primeira exposição. Cornell, descobre as colagens de Max Ernst, que o irão inspirar na sua própria obra. Dois meses depois, as suas obras integravam a exposição “Surrealisme” juntamente com nomes como Max Ernst, Man Ray ou Jean Cocteau.
Este artista autodidacta tanto procurava a sua matéria prima nas feiras e lojas em segunda mão, como na natureza, em longos passeios de bicicleta pelos parques de Nova York. Cornell concebia as suas colagens e montagens (assemblages) numa linguagem surrealista, mas afastava-se dos seus fundamentos psíquicos, mais radicais, e compunha as suas caixas em forma de poesia, desvendando mundos de fantasia nostálgica, próximos de um romantismo vitoriano, presente através das ilustrações de livros antigos.
Cornell teve uma vida de recluso, apesar das suas saídas em busca de matéria prima, ou mesmo como observador da arte dos outros, visitas a galerias, espectáculos de música, dança ou cinema. Vivia com a mãe e o irmão deficiente de quem tratava religiosamente. A obsessão em coleccionar, arquivar e relatar os seus dias, não lhe deixava espaço para concretizar todas as emoções que guardava nas suas obras. Cornell desenvolvia grandes paixões pelas estrelas de cinema e da dança, fortes inspirações das suas peças, chegando mesmo a oferecer-lhes os objectos mais raros e as suas caixas mais elaboradas.
Em 1935, Cornell constrói uma caixa com a imagem ilustrada de Tilly Losch, bailarina dos anos 30. Nas suas palavras, as “caixas transformam-se em teatros poéticos ou cenários onde são metamorfoseados elementos de uma infância passada”.
Entre 1929 e 1930 Federico Garcia Lorca escreve vários poemas que iriam integrar a obra: “Poeta em Nova York”, entre os poemas apocalípticos desta obra, Lorca escreve “Tua infância em Menton”, onde invoca as vivências felizes da sua infância, procurando regressar a esse tempo inalterável, o da meninice.
Nascido a 5 de Junho de 1898 numa província de Granada, Garcia Lorca desde logo se interressou pela literatura romântica e clássica. Os seus primeiros poemas foram editados enquanto estudava em Madrid, procurava temas relativos à música e folclore da Andaluzia. Nesta altura conhece Luis Buñuel e Salvador Dalí, que o introduzem ao surrealismo. Em 1929 ruma a Nova York, passa por Cuba e Buenos Aires, onde conhece o poeta Pablo Neruda. De Regresso a Espanha, em 1932 cria o teatro Universitário “ A Barraca”, onde montou várias peças de Lope Veja e Cervantes. Não ocultava as suas ideias socialistas e as tendências homossexuais, e após a eclosão da guerra civil Espanhola, quando procurava refugio em Granada, foi executado em Agosto de 1936, diz-se que o seu corpo ficou perdido nas montanhas da Serra Nevada.
Tanto ”Tilly Losch” como “Tua infância em Menton” manifestam um corpo suspenso. Um corpo suspenso no tempo. Que ficou ali, naquele momento congelado. Cornell transpõe a graciosidade da dança de Tilly, apresentando-a como se fosse um balão que viaja pelos céus. O seu corpo que dança, e se eleva ,e que deixa de ter peso, flutua e transforma-se na “mulher que preenche o céu”.
Este corpo suspenso viaja, veio de longe, chegou até ali, é esquivo e é buscado
. É também um corpo “performativo” que dança, que representa, é uma figura, “uma máscara pura”, e é o corpo da infância desta canção de embalar que ambos invocam e que querem que fique para sempre.

Fontes:
Web
Joseph Cornell
http://www.thefreelibrary.com/"Joseph+Cornell/Marcel+Duchamp...+in+resonance."-a055015175
http://www.josephcornellbox.com/
http://arthistory.about.com/gi/o.htm?zi=1/XJ&zTi=1&sdn=arthistory&cdn=education&tm=45&f=00&su=p897.6.336.ip_&tt=11&bt=1&bts=0&zu=http://www.aaa.si.edu/collectionsonline/cornjose/http://arthistory.about.com/cs/namescc/p/cornell.htm
http://www.boston.com/ae/theater_arts/articles/2007/04/29/from_small_boxes_big_things_come/
http://www.newyorker.com/archive/2003/02/17/030217crat_atlarge
http://www.dvdbeaver.com/film2/DVDReviews34/magical_films_of_joseph_cornell.htm
http://www.ubu.com/film/cornell.html
http://www.ibiblio.org/wm/paint/auth/cornell/
http://findarticles.com/p/articles/mi_m0268/is_n10_v32/ai_16097502/?tag=content;col1
http://cinmod09.blogspot.com/2009/03/mascot-tilly-losch.html
Federico Garcia Lorca
http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u603007.shtml
http://www.escuelai.com/spanish_culture/literatura/lorca-biografia.html
http://www.biografiasyvidas.com/biografia/g/garcia_lorca.htm
http://www.universia.net.co/noticias/mas-noticias/federico-garcia-lorca-70-aniversario-de-su-muerte.html
Tilly losh
http://www.youtube.com/watch?v=6uDZ2xJW4Bc
http://library.lib.binghamton.edu/specialcollections/findingaids/loschcol_m3.html
Bibliografia:

Lorca, Federico Garcia-Poeta en Nueva York. 3ª Edição.Madrid: Ediciones Cátedra,S.A., 1989
Bento, José (selecção, Tradução , prólogo e notas)- Antologia Poética Federico Garcia Lorca. Lisboa: Relógio D’Água, 1993
Hartigan, Lynda Roscoe- Joseph Cornell: Navigating the Imagination. 2ª Edição. Peabody Essex Museum, Salem, Massachusetts 2008


Catarina Ramalho
Nº 37682
Apresentação a 14 de Abril 2010

4 comentários:

  1. Mais uma vez, uma bailarina!

    E que belo é o modo como Joseph Cornell a representa - não denunciando a obsessão que, aparentemente, já era comum o artista desenvolver pelas estrelas das artes performativas, mas sim fazendo uso de um imaginário de inocência e graciosidade. Tilly Losch parece uma princesa directamente saída de um conto de fadas, para sempre flutuante na prisão da moldura.

    É curioso o modo como esta obra consegue despertar (nesta “espectadora”, pelo menos) a vontade de saber a história desta bailarina, e também uma enorme saudade dos tempos em que lia contos de princesas e fábulas de seres mágicos.

    “Tilly Losch” é uma obra enigmática, nostálgica e melancólica (este último aspecto em muito devido à predominância de tons frios), que representa um corpo “performativo” (e aqui entra a auto-citação de quem já trabalhou “corpos dançantes”), simultaneamente preso e livre. Preso por fios que o assemelham a uma marioneta e por uma moldura que perpetua o momento; livre na flutuação (talvez impulsionada pela própria dança) e no destacamento do seu plano, que assim parece extrair a bailarina da sua realidade onírica.

    Absolutamente maravilhosa, esta obra! Bom trabalho, Catarina. E boa sorte!

    Ana Luís
    nº37852

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  2. Olá, Catarina:

    Fez uma escolha interessante e com imensas potencialidades de leitura intertextual que não me parece terem sido desenvolvidas. Sugiro que reduza o poema aos excertos nos quais irá centrar a sua análise.
    Há referências imediatas que ligam texto verbal e visual, procure explorá-las. Não se centre apenas na nostalgia da infância mas procure pensar no modo como são representados os corpos em ambas as obras. As dicas da sua colega Ana podem ser úteis!

    As caixas do Cornell costumam ter dois lados. Qual é o outro lado desta?

    Aceda ao mail da cadeira para ver sugestões formais para melhoramento de texto. Como não tenho ainda a sua ficha de aluna, deixei um email para si na caixa dos rascunhos.

    Espero que problematize e aprofunde o diálogo entre as duas obras. Pretendo que os trabalhos sejam um processo, pelo que tem oportunidade de rever a sua intervenção para a melhorar.

    Como sempre, estou disponível para a ajudar nessa caminhada.

    Diana Almeida

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  3. Ana, obrigada pelas dicas preciosíssimas!
    São várias as leituras que se podem fazer desta obra de Cornell, nomeadamente se Tilly é um corpo preso (pelos fios), ou que flutua livremente. Ou ainda, como referes, as caixas/molduras que aprisionam, no entanto há um dos lados que está aberto, uma janela para o exterior, mas que não deixa sair...

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  4. Olá Catarina
    Um bocadinho em cima da hora, este meu comentário... peço desculpa por isso...
    a primeira imagem que me vem à cabeça, quando vejo esta caixa, é a de um pára-quedas... pelos pelos fios que "prendem" a boneca, pela saia que ela tem, em forma de balão... inclusive, até porque ela está a flutuar sobre as montanhas. liberdade? voo? ou os fios que a prendem, acabam por limitar a sua liberdade (como também diz a Ana Luís)?
    gosto do "voo da corça",d '"a mulher que preenche o céu/Nem tu, nem eu, nem o ar, nem as folhas", e a forma como consigo ler este poema na obra.
    acho que em ambos (no poema e na caixa) se sente o ar gelado que se respira nas alturas, a leveza, o movimento e o silêncio.
    se bem que o movimento da dançarina, não vem dela. parece-me que é provocado por influências exteriores, porque ela me parece presa.
    Também me pergunto até que pontos não está aí uma possibilidade de leitura religiosa, como uma visão de Nossa Senhora nas alturas...
    Bom trabalho!
    Catarina Marques, 27173

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