Mary Cassatt - The Coiffeur, 1890-1891, impressão e aquatinta em papel vergé. Chapa 36,5 x 26,7 cm, papel 43,2 x 30,7 cm - in National Gallery of Art
Desejando vê-lo,
para ser vista por ele –
se ele ao menos fosse
o espelho onde eu me olho
e que olho cada manhã!
Isumi Shikibu
Mary Cassat (22 Maio 1844, Pensilvânia, EUA, 14 Junho 1926, Beauvais, França), conhecida pela representação da intimidade dos círculos femininos, e das relações entre mãe e filho, integrou o grupo dos expatriados norte-americanos, tendo vivido a maior parte da sua vida em França.
A pintora pertenceu ao grupo dos “Impressionistas”, em França, participou em várias exposições dos “Indépendants”, teve obras representadas no Salon de Paris, tendo também exposto
Em 1892 é-lhe encomendado o mural “Modern Women” para o Hall of Honor do Women’s Building, na World’s Columbian Exposition,
Em 1890, Cassatt visita uma exposição de gravuras japonesas cuja influência se vai registar numa série de dez estampas, entre as quais The Coiffure.
Isumi Shikibu (974? – 1034?) foi considerada uma das maiores poetisas japonesas do período Heian (794 to 1185).
A sua obra apresenta uma intensa paixão e apelo sentimental, mas é também influenciada pela vertente religiosa, neste caso do budismo, que reflecte a compreensão de que tudo é transitório.
O tema deste tanka de Shikibu é a ausência e a presença físicas.
A imagem que é reflectida através do espelho é a testemunha de que existe um corpo presente, que, como deseja um outro corpo, concebe esse corpo ausente como espelho, para poder ver de volta o sujeito lírico feminino que se olha nele.
O espelho – animado + qualificado através de atributos que lhe conferem vida.
A estampa em análise, The Coiffure, apresenta uma jovem mulher, na sua intimidade, nua da cintura para cima, a arranjar o cabelo, sentada frente a um espelho.
É precisamente o espelho que estabelece a ligação entre a estampa e o poema.
Espelho = indício autoreflexivo (arte é um espelho)
...........= reflector de corpos e da vida
...........= meio indirecto de ver a vida
Em Shikibu, o sujeito lírico feminino do poema quer que o espelho se torne numa pessoa, para que o corpo que reflecte seja visto.
Na estampa de Cassatt, o corpo representado só é visto frontalmente através do reflexo no espelho, o que “iliba” a artista de intencionalmente querer mostrar o nu (esta é das poucas representações de corpos nus na obra da pintora).
É o espectador quem surpreende a figura feminina na sua intimidade do dia-a-dia, de tal forma que nem ela se observa a si mesma, estando mais concentrada em arranjar o cabelo, como sugere o título, The Coiffure).
O tanka de Shikibu demonstra um desejo, uma intenção directa de se ser observado. A figura feminina na estampa em análise sugere o oposto, pois é representada com a cabeça inclinada, quase sem se olhar ao espelho, como que concentrada.
O seu rosto está esbatido, quase imperceptível, e o corpo, apesar de virado para o espectador, está desenhado a traços rápidos e de forma pouco definida, nomeadamente na concepção dos seios, o que parece demonstrar que aquele corpo cumpre apenas uma função presencial, sem qualquer alusão erótica.
Cassatt usa tons monocromáticos nesta estampa, ocres e brancos, quase como se quisesse resumir o espaço a dois tons (cor do papel de parede, da alcatifa e do sofá, toalha que envolve a mulher; as únicas linhas precisas são as do armário, frente à figura feminina, assim como a representação do seu perfil.
Esta estampa reflecte influências estilísticas das gravuras japonesas, nomeadamente de Hiroshige e Utamaro (Japonismo).
Sitiografia:
http://www.marycassatt.org
http://en.wikipedia.org/wiki/Izumi_Shikibu
http://en.wikipedia.org/wiki/Japonism
Bibliografia
Luísa Freire, O Japão no Feminino, I, Tanka, séculos IX a XI, Lisboa: Assírio & Alvim, 2007
Griselda Pollock, Mary Cassatt Painter of Modern Women, Londres: Thames & Hudson world of art, 2006
Adele Schlombs, Hiroshige, Colónia: Taschen, 2009
Karin H. Grimme, Impressionismo, Colónia: Taschen, 2009
Catarina Marques - nº 27173
Apresentação dia 22 de Março
É uma boa ideia colocar no blog a obra com que vão trabalhar assim que a escolham, ainda que não tenham trabalho de análise feito, pois deste modo os colegas ficam com a oportunidade de reflectir e preparar os seus comentários.
ResponderEliminarNo resumo da apresentação, parece-me importante dar pistas de leitura relativamente ao texto visual em análise, mais do que tanta informação biográfica. Quanto ao contexto da obra de Cassatt, julgo ser importante incluí-la no grupo de artistas americanos conhecido como Expatriados e mencionar algumas das inovações formais dos pintores impressionistas que também caracterizam a sua obra.
Diana Almeida
Professora, muito obrigada. Assim o farei.
ResponderEliminarAproveito para explicar que a informação que tinha colocado anteriormente sobre o mural da Cassatt ainda hoje poder ser visto, está errada. O mural desapareceu depois da exposição terminar.
Já fiz a alteração no texto, mas peço desculpa pela falha.
Catarina Monteiro Marques
Aproveito ainda para sublinhar que acrescentei nova Etiqueta com o título Apresentação 2010, que peço para colocarem como identificativo das vossas propostas de apresentação, de modo a que possam ficar reunidas e com fácil acesso para todos os colegas.
ResponderEliminarNa linha abaixo do rectângulo do post surge "Etiquetas para esta Mensagem", carreguem em "Mostrar Tudo" (a azul do lado direito) e escolham esta opção.
Grata.
Diana Almeida
Falta LEITURA deste texto visual. Até agora apenas temos informações de carácter generalista. No nosso encontro tecemos uma série de considerações a esse respeito.
ResponderEliminarFalta ainda o texto verbal com o qual esta imagem vai ser relacionada.
Até agora os colegas não têm qualquer matéria para comentar, Catarina.
Diana Almeida
Espreitei a biografia de Mary Cassatt e achei curioso saber que a pintora, cujo tema que lhe deu maior reconhecimento: "a representação de mães e filhos", nunca tenha sido casada nem mãe. Diz que foi uma mulher muito independente, que viajou pela Europa e levou uma vida boémia, que prescindiu de viver a experiência da maternidade por considerar incompatível com a sua carreira.
ResponderEliminarPareceu-me interessante esta contradição! Que ela tenha representado, ostensivamente, uma temática tão intrínseca ao universo feminino, a maternidade, e no entanto a tenha recusado como parte integrante da sua vida.
Quanto à gravura que escolheste: "The Coiffeur", reconheço a influência da estética japonesa nas cores e tons aplicados, a representação do corpo da mulher, de perfil ou a ¾, também me parece uma característica da estampa japonesa.
Se estabelecesse um paralelo entre a imagem e a pintora, diria que aquela mulher sentada em frente ao espelho poderia ser uma viajante, uma “Mary Cassatt”, que num quarto de hotel se prepara para tomar um banho e relaxar depois de uma longa viagem!
Boa sorte para a tua apresentação.
Iolanda Batista
Não tenho qualquer indicação de que Cassatt tivesse levado uma vida boémia. Pelo contrário, na tentativa de ser aceite como pintora profissional teve de negociar as suas estreitas margens de liberdade e autonomia com a família e com a comunidade artística masculina (onde reinava a misoginia perante a crescente assertividade criativa das mulheres). A escolha do celibato deve, pois, ser considerada à luz do contexto da época, em que a ideologia da True Womanhood limitava a identidade feminina ao papel de mãe procriadora / anjo do lar, relegando a mulher ao espaço doméstico.
ResponderEliminarQuanto à temática das relações mãe/criança, Cassatt não apresenta uma maternidade idealizada (como até há pouco tempo sublinhavam as interpretações críticas), mas, demarcando um espaço de intimidade (vs. distância afectiva das senhoras da burguesia face à sua prole, criada por empregadas e amas), retrata os rituais e gestos quotidianos através dos quais é construída a identidade feminina.
Nos comentários e leituras das obras, tomem em consideração o contexto de produção das mesmas.
Diana Almeida