sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Hopper e Sophia


Edward Hopper
Rooms by the Sea (1951)
(óleo sobre tela, 74×102)


"Quando eu morrer voltarei para buscar
Os instantes que não vivi junto do mar.”
"Inscrição"

Dia do mar do meu quarto – cubo
Onde os meus gestos sonâmbulos deslizam
Entre o animal e a flor como medusas.
Dia do mar no ar, dia alto
Onde os meus gestos são gaivotas que se perdem
Rolando sobre as ondas, sobre as nuvens.
”Dia do mar no ar”
(Mar-Poesia, 2001)
Sophia de Mello Breyner

Edward Hopper (1882-1967) foi um dos pintores mais influentes na arte norte-americana do século XX, tendo as suas imagens transmigrado para universos tão distintos como a Banda Desenhada e o cinema. A sua abordagem apolítica, na época do realismo de denúncia social representado pela Ashcan School, desloca a metáfora da fronteira para o interior do ser humano individual, confrontado com a solidão em paisagens urbanas “transparentes”. O jogo entre interior e exterior coloca o espectador na posição de voyeur e problematiza a opacidade das superfícies culturais Norte-Americanas, além das promessas de Sonho.
O pintor viveu em Nova Iorque mas costumava passar os Verões em Cape Cod, Massachusetts, onde planificou e construiu um estúdio em Truro, num promontório sobre o mar. “Rooms by the Sea” (inicialmente intitulada “Rooms by the Sea. Alias The Jumping Of Place”), uma obra da sua última fase, exemplifica o exacerbar da consciência solitária de Hopper, dramatizada na representação de uma casa vazia (ainda com sinais de ter sido habitada) abrindo para o espaço exterior. Composto a partir de dois pontos de fuga diferentes, que colocam o espectador em simultâneo acima e abaixo da imagem, o quadro adquire um estatuto quase surrealista, como um convite para uma viagem pela luz, um mergulho no espaço infinito.

Sophia de Mello Breyner Andresen (1919-2004) construiu uma obra poética marcada pela contenção e rigor clássicos, na qual os elementos naturais cumprem uma função catártica e de elevação espiritual. Os poemas citados parecem comentar a imagem escolhida, delimitando um espaço interior cujos limiares são ampliados para tornar possível uma comunhão com o universo mais vasto:
“Dia do mar do meu quarto – cubo”. Esta estrutura geométrica poderá aludir ao sujeito poético condicionado pelas restrições sociais (tal como sugere a arquitectura vazia de Hopper) que irá experimentar uma expansão dos seus limites corporais para incluir no gesto os seres do universo marinho. Tal como em Hopper, o mar constitui nestes textos o potencial de estruturação solitária do sujeito, através da fusão contemplativa com o próprio espaço natural.

Bibliografia
Hughes, Robert. American Visions: The Epic History of Art in America. The Harvill Press: London, 1999.
Kranzfelder, Ivo. Edward Hopper. Colónia: Taschen, 1996.

http://artgallery.yale.edu/pages/collection/popups/pc_amerps/enlarge19.html
http://www.triplov.com/sophia/helena.html

Autoria: Diana V. Almeida